quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Como não oferecer uma vaga de emprego

Com o meu recente desemprego, começou a peregrinação por uma vaga de emprego. A internet está cheia de materiais sobre o que não colocar no currículo, sobre como se comportar numa entrevista e afins, então vamos ao outro lado da moeda: como não oferecer uma vaga de emprego, mas do ponto de vista de quem procura por uma oportunidade.

Não vou nem entrar naquilo que beira o ridículo (como essa vaga, que vi no Twitter) ou que caracteriza preconceito (como esta outra). Não vou nem entrar nos salários esdrúxulos oferecidos por algumas empresas por aí - ironicamente, as mesmas que comemoram lucro após lucro.

Primeiro erro: diga que você quer simplesmente um engenheiro, um desenvolvedor, ou qualquer outro profissional. Não deixe claras as atribuições e responsabilidades que esse profissional terá. Não deixe claros os requisitos da vaga. Você sabe que ele irá trabalhar com alguma coisa.

Após: tenha um textão - quanto mais prolixo melhor - cheio de informações genéricas ou óbvias. Se eu tivesse um real para cada vaga onde vi o candidato deverá ser capaz de trabalhar em equipe, o candidato deverá ser disciplinado e responsável e outros óbvios ululantes (qual empresa quer um funcionário sem disciplina, mesmo?), eu não precisaria de um emprego.

Para cargos técnicos, não mencione quais as tecnologias empregadas pela empresa. Não fale nada sobre processos e metodologias que a empresa adota, sobre certificações, nem fale sobre como você fornece possibilidades de qualificação para os seus colaboradores.

Tenha um site mal-feito, no qual as informações estejam perdidas. De preferência, esse site deverá ter vindo direto do século passado - ainda que você seja uma empresa de tecnologia. Afinal, procurar emprego deve ser uma atividade ingrata, quase uma punição. E não dê nenhum retorno, nem um muito obrigado, recebemos seu currículo.

Por fim, não aceite fazer uma entrevista remota. Ainda não existe Skype, e você terá que gastar horas e horas de telefone conversando com um possível candidato que esteja longe da sede de vocês. Esqueça que nem todo mundo tem disponibilidade de viajar para uma entrevista.

Tudo isso irá garantir que os possíveis candidatos se desinteressem ou encontrem dificuldade para se candidatarem - mas tudo bem, talvez seja isso que os recrutadores queiram: nesse processo, potenciais colaboradores terão demonstrado sua resiliência e sua capacidade de persistir na resolução de um problema.

sábado, 6 de dezembro de 2014

Existe vida além do feed

Uma das melhores coisas que fiz para minha produtividade foi instalar a extensão Kill News Feed no Chrome. Como o nome já diz, ela mata o feed de notícias do Facebook e me ordena a não me distrair com ele. Fiz isso como forma de me obrigar a não passar tanto tempo lá e, principalmente, a não entrar em polêmicas e nem me desgastar lendo textões ou discursos de ódio e preconceito camuflados de opinião.

É estranho pensar dessa forma, já que o Facebook vende o feed de notícias como sendo uma importante funcionalidade. Afinal, é onde eu posso ver tudo que meus amigos postam - desde que eles paguem (ou citem meio mundo, ou coloquem imagens apelativas) para colocar o texto deles lá em cima. Importante, sim, para ele que pode encher tudo de links patrocinados (ainda que irrelevantes para mim) ou que pode colocar conteúdo que SUPOSTAMENTE deveria ter relação comigo - embora na prática não tenha.

Na prática ela agrega o que há de pior no Facebook. Bate-bocas desnecessários e improdutivos, links virais, discursos desprezíveis, gente cujo objetivo existencial é postar selfies (e ganhar milhares de curtidas) ou um peidei de uma celebridade da internet que também ficou famoso.

Nada do Facebook além do feed de notícias deixou de existir:

  • posso usar o chat (um dos principais motivos para eu não tê-lo deletado);
  • posso criar listas com pessoas/páginas que me interessam (forma de filtragem de conteúdo);
  • posso usar grupos (embora a maioria deles já não valha a pena);
  • posso enviar fotos, compartilhar coisas, etc... e ver as curtidas e os comentários;
  • posso interagir manualmente com as páginas que eu gosto: se alguém curtir/comentar/me marcar ou responder a um comentário eu recebo notificações;
  • ainda posso acessar o feed de notícias no celular/tablet - que é o que eu faço, pois em geral uso ele quando preciso matar tempo.

E o resultado não poderia ter sido melhor, estou conseguindo ser bem mais produtivo e sofro menos encheções de saco. Não sinto a tentação de ir só para ler os comentários (estranho masoquismo o meu) ou para ver se uma página postou algo novo. Não preciso deixar de curtir nenhuma página, não vejo a mesma notícia requentada ou a porcaria que viralizou. Leio uma ou duas vezes por dia a página que eu quero e pronto.

De certa forma, o approach que adotei me lembra do Orkut: eu tinha que correr atrás das comunidades que me interessavam, o conteúdo não era entregue em mãos. Ou o de uma revista (ao contrário do feed de notícias, que parece um jornal com notícias velhas, e - principalmente depois dessas eleições - um panfleto que veio direto da Guerra Fria).

Mas então por que você não deleta o Facebook? Tem horas que eu gostaria. Infelizmente, por mais que tenha tentado, não posso/quero deletar o Facebook pois uso vários aplicativos que usam ele como login, e em algumas situações ele é útil ou ao menos necessário.

Recomendo a todos aqueles que tem sua produtividade prejudicada pelo Facebook, ou que enlouquecem vendo a péssima relação sinal/ruído, que ao menos tentem a Kill News Feed: não dói nada, nada de valor é perdido, e talvez você descubra que não, você não precisa consumir (e, no processo, enlouquecer) o feed de notícias até o fim.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

O gigante voltou a dormir

Há um ano e uns meses atrás, todos iam às ruas. Pediam justiça, pediam o fim da impunidade, pediam o fim da corrupção. Pediam mudança, e esperava-se que nas urnas isso se refletisse. Porém, não vimos isso: não se pode falar que era falta de opção, pois haviam candidatos para todos os gostos de forma que, se houvesse interesse, ninguém seria reeleito.

Testemunhamos a (re)eleição de vários candidatos extremamente preconceituosos (por exemplo, no RS elegemos um deputado federal que se orgulha de ter dito que índios, gays, lésbicas e quilombolas 'não prestam'). Aliás, preconceitos se recrudesceram e se revelaram.

Nunca tivemos um congresso tão conservador - motivado, em parte, pela figura do cidadão de bem que não consegue imaginar as minorias - LGBTs, negros, indígenas, mulheres - com os mesmos direitos que eles, que gostaria de que o Brasil tivesse bomba atômica pra fazer uma faxina (sim, já ouvi isso), que ainda relaciona desmatamento e poluição com desenvolvimento e que só quer melhorias para seu grupinho.

Podemos nos preparar para prejuízos na educação (projetos para ensinar a diversidade já morrem ali mesmo), na saúde (direitos reprodutivos sendo negados às mulheres, atendimento sendo negado a LGBTs e outras minorias), na ciência (que coloca em xeque as crenças religiosas e, muitas vezes, não dá lucro), no meio-ambiente (que não escapará da mão ágil dos ruralistas para derrubar, contaminar e intoxicar), entre outros.

Dizem que os políticos representavam (ou deveriam representar) o povo; todavia, não lembro de estarmos milionários, mas elegemos principalmente políticos ricos - que pouco ou nada farão pela maioria pobre e pela classe média.

Na melhor das hipóteses, teremos mais quatro longos anos de inércia. Políticas que funcionam mais ou menos continuarão sendo aplicadas até que se atinja o ponto de saturação ou que as consequências batam à nossa porta. Remendos que eram para ser temporários irão convergir ao ponto de lei. 

Na pior das hipóteses, o resultado é imprevisível, mas é imaginável a partir da estirpe eleita e dos seus eleitores. Continuaremos liderando o ranking dos crimes de ódio, remoções forçadas serão comuns, bateremos recordes de crueldade contra o meio-ambiente, atacaremos apenas efeitos e não causas, negaremos aquilo que está na Constituição.

Muito se falava que o Brasil caminhava para uma tal ditadura comunista (o que é tão real quanto unicórnios voadores), mas agora considero que existe o sério risco de - se não oficial, de forma velada - uma ditadura evangélica/ruralista, machista e misógina, viciada na força, na falácia do desenvolvimento ilimitado e do lucro a qualquer custo.

Esperava mais, muito mais. Achei que o gigante tinha acordado, mas aparentemente ele estava apenas sonâmbulo, acordou, ficou uns minutinhos em pé e voltou a dormir. E gostaria de ver se o mecanismo irá se repetir nos próximos anos (2016 temos eleições para prefeito e vereador) - mas espero que até lá aprendamos a ser minimamente coerentes.

sábado, 5 de julho de 2014

Sobre acidentes e responsabilidade de engenheiros

Recentemente vimos o caso de um viaduto que desabou matando duas pessoas, e não é raro vermos obras que apresentam diversos problemas (desde erros de projeto até violação de legislação sobre incêndios, acústica etc...), os quais eventualmente resultaram em mortes, prejuízos ou outros problemas sociais.

Na discussão destes, é muito comum focarmos em problemas políticos (superfaturamento, atraso de obras, etc...) mas raramente se discute a responsabilidade da engenharia nelas.

Como futuro engenheiro, eu gostaria de saber o que o CREA - órgão que tem o poder de definir quem pode exercer a engenharia - tem a dizer sobre os engenheiros que trabalharam nessa obra, a responsabilidade deles e quais serão as punições tomadas. Muito provavelmente, nenhuma acontecerá, pois tal órgão é conhecido por não querer criar problemas com seus contribuintes ou com quem os contrata.

Coisas raramente acontecem por acontecer em uma disciplina baseada nas ciências exatas, todos os problemas tem uma causa raiz (root cause), certamente posso afirmar que houve negligência (ou imperícia, ou imprudência, ou mesmo a velha e boa irresponsabilidade) envolvida.

Se houve o uso de materiais de baixa qualidade, ou se o projeto foi mal-feito e não levou fatores específicos em conta, presumivelmente houve a aprovação de alguém - necessária para executar a obra: por que este, então, não é punido? Não consigo encontrar outra solução para um profissional que colocou seu nome sob um trabalho, mas que não assume a responsabilidade sobre ele.


Em outros países (aqui isso é feito apenas timidamente) é comum investigar as causas de acidentes ou desastres com morte ou prejuízo ao patrimônio, para que sejam definidos protocolos, leis, normas técnicas ou mesmo para que se reformule a formação das disciplinas envolvidas de forma a prevenir que volte a acontecer.

Posso falar com mais autoridade na área onde eu trabalho (sistemas embarcados e eletrônica): um caso recente foi um bug no software de alguns veículos da Toyota que, após mortes, resultou em uma enorme investigação cujos resultados apontaram várias negligências, mas infelizmente não encontrei informações (muitas delas são confidenciais) sobre punição a culpados.



Da mesma forma, nos anos 80 ocorreu o caso Therac 25, no qual a negligência dos projetistas e desenvolvedores em um equipamento médico, levou várias pessoas a morte por overdose de radiação, simplesmente pois sistemas básicos de segurança e tratamento de erros foram ignorados (o famoso nunca vai acontecer, até que acontece).

Embora aparentemente não haja ligação entre um viaduto, um carro e um equipamento médico, todos esses eram sistemas críticos: lidavam com vidas. Atividade que não combina com gambiarras, jeitinhos, prazos ridículos, superfaturamentos, orçamentos mal estipulados e profissionais sobrecarregados - realidades que infelizmente são comuns.

Como resultado do caso Therac 25, criaram-se metodologias para projeto de software de equipamentos médicos e reforçou-se a importância da engenharia de software - inclusive das tarefas ditas chatas, como documentação, controle de qualidade, teste de software etc... e certamente o caso da Toyota irá resultar em conclusões similares assim que os acordos de confidencialidade terminarem.

E eu gostaria de ver o mesmo acontecendo por aqui: nenhum acidente ou falha de projeto terminando engavetados sem que eles levem ao menos a uma revisão das leis, dos procedimentos ou mesmo do ensino de engenharia (aliás, o problema já começa aqui, na graduação pouco vi sobre como projetar ou planejar - mas muito vi sobre como calcular ou escrever código, o que é completamente diferente).







Temos várias medidas a serem tomadas para combater esses acidentes, inclusive com o uso de um arsenal de ferramentas disponíveis, mas o melhor que poderíamos fazer para evitá-los e, no geral, melhorar a qualidade de qualquer obra ou projeto é - exigir e cobrar responsabilidade de todos os profissionais envolvidos: se uma empresa assina e executa um projeto, todos os envolvidos neste deverão assumir as consequências de eventuais omissões.

sábado, 24 de maio de 2014

Quando a coisa aperta...

Uma mudança recente no vestibular da UFSM  - que foi extinto e substituído pelo ingresso através do ENEM - causou revolta em vários setores da sociedade santamariense. Não vou entrar no mérito da questão social ou da qualidade das avaliações do ENEM, mas sim em outra questão: a reação de alguns órgãos daqui. Prefeitura, associações, câmaras e outros representantes de pequena parcela da sociedade.

É bastante interessante ver que apenas agora, quando se viram acuados (afinal, a fonte de lucro que era o vestibular deixou de existir), eles decidiram reclamar por alguma coisa. Falam que a UFSM é a principal dinamizadora da economia, e de fato estão razoavelmente certos, mas ignoraram os diversos problemas que já existiam aqui e que prejudicavam ela.

O primeiro deles - como qualquer santamariense está cansado de saber - é a péssima qualidade do transporte público. Entra ano, sai ano, e os ônibus continuam superlotados, atrasados e a passagem aumentando (já que nunca houve uma real auditoria na composição dos custos dela). Empresas de ônibus que operam na irregularidade ou na ilegalidade - mas não duvido que os donos delas sejam os primeiros a reclamar da corrupção e da impunidade na qual cavalgam e montam seus negócios.

E nenhuma entidade se mobiliza para melhorar essa situação: pelo contrário, qualquer manifestação sofre repressão em proporções descomunais. Aliás, como muito bem sabemos, a polícia e a justiça estão do lado dessas associações (como é de praxe no Brasil): se alguns setores forem às ruas contra essas mudanças, encontrarão os mesmos tiros, porradas e bombas que os manifestantes inconvenientes (leia-se: os que não vivem na bolha possibilitada pela riqueza do monopólio) encontram? Se algum desses empresários ou negócios da China for investigado, encontrará a mesma punição que um ladrão de galinhas encontra?

Como o transporte público falhou, o transporte particular encontra-se saturado. Existe uma alternativa que poderia desafogar - temporariamente (pois, como vi esses dias, tentar resolver o problema do trânsito aumentando as estradas é como tentar resolver a obesidade aumentando o tamanho do cinto) - o deslocamento para a UFSM, porém, ela precisa ser asfaltada. Mas, novamente, não vimos nenhum desses setores cobrar a realização desta tarefa. Ironicamente, defendem a universidade como fonte de renda para a cidade, mas não defendem a construção dos caminhos que dão acesso a elas. Falta de visão é com eles mesmos.

Também nunca vimos elas lutarem e buscarem que as cidades tenham direitos básicos garantidos pela Constituição - e que também são fundamentais para o desenvolvimento. Aliás, infelizmente essa é uma constante no país todo: muitos dos os órgãos que gozam de algum poder político apenas o usam para satisfação das suas vontades, sem preocupação com a sociedade.

Eu gostaria de vê-los com o mesmo interesse na defesa do ensino público (que permitiria que mais pessoas fizessem um curso superior), da infra-estrutura, dos direitos humanos, da cidadania. Em causas que não são diretamente interessantes aos bolsos deles e que não dão lucro. Mas isso não irá acontecer tão facilmente. Aliás, eu gostaria de não ser pessimista, mas tão cedo isso tudo não vai acontecer.

Posso estender essa crítica a toda a região e, acredito eu, à maioria das regiões brasileiras: há problemas que não cabem apenas a um ou dois municípios, mas a grupos deles. Todas as cidades que são vítimas de estradas de má-qualidade, ou de problemas ambientais, deveriam estar juntas protestando por medidas.

Porém, não há organização para cobrança de melhorias - afinal, nossa política é uma guerrinha de partidos. Combinações e alianças esdrúxulas são aceitáveis como parte de expandir o poder ou de negociar privilégios para alguns grupelhos ao custo de privar outros daquilo que lhes é de direito, mas não de lutar por melhorias de interesse social ou de corrigir injustiças e deficiências do país.

Santa Maria passou a vida toda dependendo da UFSM (paga por todos os brasileiros, não apenas pelos santamarienses, e que nada tem a ver com as vontades e caprichos dos órgãos municipais) e, dessa forma, ficou desacostumada. Por falta de infraestrutura - não apenas aqui, mas na região toda - vê oportunidades passar. Tem dificuldade em manter gente formada. E, desse ponto de vista, considero que mereceu perder o vestibular (e espero que não consigam retomá-lo): talvez agora aprenda a investir no que é necessário para o real desenvolvimento.

sábado, 22 de março de 2014

Não produza ruído

(Se você está insatisfeito com a relação sinal/ruído da internet, a única forma de mudar as coisas é adicionar mais sinal - ATWOOD, Jeff)

A qualidade de boa parte das discussões nas redes sociais é péssima. Vemos uma torrente de agressões, de trollagens e zueiras, de gente que sistematicamente mistura fatos com emoções e ideologias, de gente que emite mentiras e falácias (como os famosos boatos e montagens que todos estamos cansados de ver), entre outros comportamentos nocivos.

Torna-se cansativo, após um tempo, ver gente que intencionalmente distorce a fala do outro para incriminá-lo. Falsas dicotomias abundam: ou você é eleitor do PT ou você é eleitor do PSDB. Ou você é incondicionalmente capitalista ou você é comunista. Ou você está contra mim ou você está a favor de mim. Você precisa ser a favor de soluções drásticas, superficiais e imediatistas.


Os mesmos "argumentos" já batidos são repetidos à exaustão: notícias falsas acabam se tornando verdade, e quem ousa - em um fútil exercício de paciência - questionar a veracidade das afirmações é agredido.

Aliás, é interessante ver que a mesma pessoa, que prega o ceticismo e o método científico, que vomita por todos os cantos que é racionalista e não alienada, cai nesses erros. Compartilha a informação sem verificar se ela é correta, ao mesmo tempo em que critica quem faz isso.

Por sinal, nessas horas entendo que o ensino e a prática de lógica deveriam ser feitas desde o ensino fundamental até a pós-graduação: na melhor das hipóteses, melhorariam a qualidade da discussão, na pior das hipóteses, permitiriam ao menos que pessoas apontassem os erros de lógica e de argumentação.

Alguns fazem isso com nome real: se por um lado isso até parece bom (pelo simples fato dessas pessoas terem a integridade de dar a cara a tapa em vez de se esconder atrás de um fake), na verdade eu sinto pena de gente que diz ostentar um nível educacional supostamente alto ao mesmo tempo em que demonstra total ignorância sobre os temas que discute.

É tristemente interessante ver uma pessoa com um doutorado, ou em um cargo de alta responsabilidade dentro de uma empresa, distribuindo xingamentos gratuitos e papagaiando as mesmas falácias repetidamente.

Há um bom tempo já não me envolvo mais nelas. Nem mesmo as acompanho, e recomendo isso a todos: aproveite o tempo que você vai ganhar para se informar sobre os temas sendo discutidos. Nenhuma discussão é proveitosa quando os argumentadores não estão minimamente aptos a discutir aquilo de forma um pouco mais profunda do que "deu no jornal", "li na Wikipedia" ou "no Blog do Fulano dizia isso".

Melhore sua vida: não se misture com o ruído do bate-boca nas 'discussões' em comentários de sites (aliás, já falei sobre esse tema), redes sociais etc.... Já que reduzir o ruído é difícil (e, de alguma forma, ele sempre existirá), adicione sinal.

Para os moderadores de sites: é obrigação sua eliminar os babacas, mesmo que isso signifique perder cliques.


quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Não foi um suicídio

Recentemente vimos o assassinato cruel de um jovem, com claras indicações de ter motivação homofóbica: além de ter ocorrido nas proximidades de uma festa gay, não consigo imaginar que um ladrão de galinhas seria tão brutal com a vítima.

Em qualquer outro país minimamente desenvolvido - o que não significa apenas desenvolvimento econômico, ao contrário do que certo governo quer - casos como esse não seriam registrados como suicídio: seriam registrados como assassinato, com possível caso de homofobia.

No fundo, isso não é diferente de qualquer estratégia empregada em ditaduras: fazer tudo virar suicídio para que não pareça ser um problema. Foi assim no Brasil dos anos 70, nas ditaduras na Europa, no nazismo, na União Soviética etc... e passava batido.

Como sempre, o governo (inclusive a Presidenta) não se posicionam: não tomam medidas e - como precisam do apoio da bancada evangélica para execução do seu plano de poder - aceitam que teocratas, convenientemente e deliberadamente ignorando o amar ao próximo e o não julgar que estão nos livros sagrados de suas religiões, interfiram nas leis anti-preconceito (como o PLC 122 que foi sumariamente enterrado).

Teocratas esses que não querem educação para a diversidade e a tolerância - o que é fundamental numa sociedade tão falida que precisa ser obrigada a respeitar os outros sob pena de punição, que precisa de leis e de ameaça de prisão para tudo - e, embora nunca tendo apresentado projetos para tentar melhorar o país, querem aumentar cada vez mais seus privilégios: isenção fiscal disso e daquilo. Direito ao ódio. Impunidade. E conseguem, pois são uma bancada extremamente organizada... mas apenas quando é para para saciar suas próprias necessidades.

Pregam o ódio abertamente em seus templos e nos seus programas bombásticos de televangelismo. Mentem para as pessoas, ignorando completamente os dez mandamentos, a Bíblia e a 'palavra de Deus' da qual se dizem profetas. Na desgraça do outro, veem a oportunidade de manipular e de mentir [2] para arrecadar dízimos cada vez maiores. O que Deus pensaria da ganância e da mentira destes?

E o povo, também, não vai reclamar justiça, afinal para muita gente os gays não são os cidadãos de bem, eles são um mau exemplo para a sociedade, eles querem corromper as crianças. Eles são a culpa de toda a desgraça da sociedade.

Para essas pessoas - inclusive, como já testemunhei, gente com nível superior (ou seja, não se pode falar que essas pessoas não tiveram acesso à educação [1]) - ser gay é uma opção (eu sinceramente gostaria que me mostrassem quando eu escolhi ser ou não gay ou hétero, não lembro de ter aparecido um menu ou um formulário na minha frente) ou uma frescura (por que na minha época, meu pai ia sentar a porrada em mim se eu fosse viado). Para elas, já existe muita propaganda gay (se é para usar esse termo idiota: que estranho, o que eu mais vejo é propaganda hétero, e nem por isso alguém deixa de ser gay).

Quantas mortes por machismo e homofobia, quantas mortes por preconceito, quantos discursos de ódio serão necessários para que algo seja feito? Pelo andar da carruagem, um número infinito, pois fazer algo afeta os planos do governo de não ter nenhuma dissidência, requer que seja violada a tal da governabilidade, e obriga ele a fazer algo.

É difícil fazer um homem compreender algo quando seu salário depende, acima de tudo, que não o compreenda. -- Upton Sinclair

[1] Costumo afirmar que educação significa, muitas vezes, apenas conhecimento: nada diz sobre caráter e honestidade. Muita gente tachada de burra é mais honesta e sincera do que  pessoas inteligentes que conseguem achar escapatórias e justificativas para tudo, que jogam com palavras para enganar as pessoas e que conhecem todas as artimanhas para não serem pegos. Mas divago.

[2] O pessimista vê em cada oportunidade uma dificuldade; o otimista vê em cada dificuldade uma oportunidade.