quinta-feira, 28 de março de 2013

Não leia os comentários


  • O que você está escrevendo?
  • Vírus.
  • O que ele faz?
  • Quando alguém tenta postar um comentário no YouTube, primeiro ele lê esse comentário em voz alta.
  • Logo mais, em todo lugar:
  • ... eu sou um idiota.
  • Eu... eu não sabia.

Não preciso nem descrever a seção os comentários nos sites de notícias. Aparentemente, o QI médio lá tende a zero: são agressões e acusações gratuitas e infundadas, repetição ad nauseam dos mesmos clichês, fatos distorcidos e amassados para satisfazerem um ponto de vista específico.

O anonimato fornece uma confortável e quentinha carapuça para quem deseja externar toda sua ignorância: o comentarista médio sonha com a volta da ditadura, ou mesmo do nazismo - afinal, ele é um cidadão de bem, humano direito. Confunde liberdade de expressão com liberdade de preconceito. Demonstra seu refinado conhecimento de economia, política e sociologia. Demonstra não ser alienado e estar revoltado. Mesmo que ele tenha que mentir para combater a mentira ou ser desonesto para combater a desonestidade. Metalinguagem?

Ele também entende profundamente de ciência: quando alguma descoberta científica é noticiada, ele já corre para dizer que os cientistas deveriam estar se preocupando com combater a fome. Quando é apresentado algum tópico sobre a origem do homem ou do universo, sobre aspectos referentes aos outros planetas, reclamam que o homem quer ser uma divindade.

Deturpa notícias e consegue encontrar teorias da conspiração em tudo. Até mesmo a previsão do tempo ou a notícia de que um jogo de futebol terminou empatado viram golpes do PT para implantar a ditadura do proletariado no sistema comunista. Um asteroide está a caminho da terra? É o governo querendo desviar as atenções.

Tudo com que ele não concorda é do diabo. Tudo foi um castigo divino. Falam como se o fim dos tempos fosse vir amanhã (aliás, estou esperando há um bom tempo). Mas o pior é a capacidade de emitirem discursos de ódio como quem conta até 10. Qualquer tentativa de dar direitos necessários às minorias é recebida com agressões. Não querem discutir, querem é competir para ver quem fala mais alto.

Em sites onde é necessário cadastro, as coisas são melhores, mas não muito: existe gente que se dedica a criar nomes e usuários falsos para ir lá trollar e conseguir inventar uma teoria da conspiração envolvendo três partidos, duas classes sociais, algumas celebridades e dez países diferentes. Ou reclamam dos vagabundos que passam o dia sem fazer nada (estranho... transformaram a seção de comentários em um espelho dos comentaristas?).

O melhor que eu aprendi a fazer até agora foi ignorar os comentários da maioria dos sites (principalmente os que não requerem cadastro): a relação sinal/ruído deles é péssima. Muito pouco - ou nada - saiu de bom dos comentários deles. Aliás, eles são a melhor forma de desmotivar alguém: mesmo que você não goste do trabalho da pessoa, não diga simplesmente não gostei ou poderia melhorar em X: faça questão de mencionar a sexualidade, a crença ou a opinião política da pessoa infinitas vezes.

E em todo caso, se você porventura se ver no meio desses comentários, resista a tentação de ser educado: não se desperdiça educação com quem não está disposto a aceitar nada. Você vai ser atingido por uma torrente de pedradas e agressões. Felizmente elas - apesar de serem legião - são vazias, frágeis e inofensivas, exatamente como as pessoas que se escondem atrás delas.

E o pior é ver que os sites de notícias continuam firmes no uso de comentários - afinal, é audiência, é gente clicando e vendo propagandas. É lucro: ignoram a responsabilidade moral deles por uns trocadinhos. Ignoram que deve existir uma moderação que delineie o que é expressão e o que é opressão. Ignoram que estão cheios de babacas, e se o seu site está cheio de babacas, é culpa sua e exclusivamente sua: os recursos para impedi-los existem há décadas.

O anonimato revela o pior e o melhor das pessoas. Nesse caso, o pior, o muito pior. Aquilo que eles nunca teriam coragem de falar em voz alta, mas que é facilmente digitado, salvo, copiado-colado e permite que a pessoa se diga não manipulada pela mídia de massa, não alienada, não sou idiota. Mesmo que para isso ela precise escrever errado e mentir até sobre seu nome (ironicamente, para reclamar de como os outros são desonestos e antiéticos).