sábado, 24 de maio de 2014

Quando a coisa aperta...

Uma mudança recente no vestibular da UFSM  - que foi extinto e substituído pelo ingresso através do ENEM - causou revolta em vários setores da sociedade santamariense. Não vou entrar no mérito da questão social ou da qualidade das avaliações do ENEM, mas sim em outra questão: a reação de alguns órgãos daqui. Prefeitura, associações, câmaras e outros representantes de pequena parcela da sociedade.

É bastante interessante ver que apenas agora, quando se viram acuados (afinal, a fonte de lucro que era o vestibular deixou de existir), eles decidiram reclamar por alguma coisa. Falam que a UFSM é a principal dinamizadora da economia, e de fato estão razoavelmente certos, mas ignoraram os diversos problemas que já existiam aqui e que prejudicavam ela.

O primeiro deles - como qualquer santamariense está cansado de saber - é a péssima qualidade do transporte público. Entra ano, sai ano, e os ônibus continuam superlotados, atrasados e a passagem aumentando (já que nunca houve uma real auditoria na composição dos custos dela). Empresas de ônibus que operam na irregularidade ou na ilegalidade - mas não duvido que os donos delas sejam os primeiros a reclamar da corrupção e da impunidade na qual cavalgam e montam seus negócios.

E nenhuma entidade se mobiliza para melhorar essa situação: pelo contrário, qualquer manifestação sofre repressão em proporções descomunais. Aliás, como muito bem sabemos, a polícia e a justiça estão do lado dessas associações (como é de praxe no Brasil): se alguns setores forem às ruas contra essas mudanças, encontrarão os mesmos tiros, porradas e bombas que os manifestantes inconvenientes (leia-se: os que não vivem na bolha possibilitada pela riqueza do monopólio) encontram? Se algum desses empresários ou negócios da China for investigado, encontrará a mesma punição que um ladrão de galinhas encontra?

Como o transporte público falhou, o transporte particular encontra-se saturado. Existe uma alternativa que poderia desafogar - temporariamente (pois, como vi esses dias, tentar resolver o problema do trânsito aumentando as estradas é como tentar resolver a obesidade aumentando o tamanho do cinto) - o deslocamento para a UFSM, porém, ela precisa ser asfaltada. Mas, novamente, não vimos nenhum desses setores cobrar a realização desta tarefa. Ironicamente, defendem a universidade como fonte de renda para a cidade, mas não defendem a construção dos caminhos que dão acesso a elas. Falta de visão é com eles mesmos.

Também nunca vimos elas lutarem e buscarem que as cidades tenham direitos básicos garantidos pela Constituição - e que também são fundamentais para o desenvolvimento. Aliás, infelizmente essa é uma constante no país todo: muitos dos os órgãos que gozam de algum poder político apenas o usam para satisfação das suas vontades, sem preocupação com a sociedade.

Eu gostaria de vê-los com o mesmo interesse na defesa do ensino público (que permitiria que mais pessoas fizessem um curso superior), da infra-estrutura, dos direitos humanos, da cidadania. Em causas que não são diretamente interessantes aos bolsos deles e que não dão lucro. Mas isso não irá acontecer tão facilmente. Aliás, eu gostaria de não ser pessimista, mas tão cedo isso tudo não vai acontecer.

Posso estender essa crítica a toda a região e, acredito eu, à maioria das regiões brasileiras: há problemas que não cabem apenas a um ou dois municípios, mas a grupos deles. Todas as cidades que são vítimas de estradas de má-qualidade, ou de problemas ambientais, deveriam estar juntas protestando por medidas.

Porém, não há organização para cobrança de melhorias - afinal, nossa política é uma guerrinha de partidos. Combinações e alianças esdrúxulas são aceitáveis como parte de expandir o poder ou de negociar privilégios para alguns grupelhos ao custo de privar outros daquilo que lhes é de direito, mas não de lutar por melhorias de interesse social ou de corrigir injustiças e deficiências do país.

Santa Maria passou a vida toda dependendo da UFSM (paga por todos os brasileiros, não apenas pelos santamarienses, e que nada tem a ver com as vontades e caprichos dos órgãos municipais) e, dessa forma, ficou desacostumada. Por falta de infraestrutura - não apenas aqui, mas na região toda - vê oportunidades passar. Tem dificuldade em manter gente formada. E, desse ponto de vista, considero que mereceu perder o vestibular (e espero que não consigam retomá-lo): talvez agora aprenda a investir no que é necessário para o real desenvolvimento.