sábado, 5 de julho de 2014

Sobre acidentes e responsabilidade de engenheiros

Recentemente vimos o caso de um viaduto que desabou matando duas pessoas, e não é raro vermos obras que apresentam diversos problemas (desde erros de projeto até violação de legislação sobre incêndios, acústica etc...), os quais eventualmente resultaram em mortes, prejuízos ou outros problemas sociais.

Na discussão destes, é muito comum focarmos em problemas políticos (superfaturamento, atraso de obras, etc...) mas raramente se discute a responsabilidade da engenharia nelas.

Como futuro engenheiro, eu gostaria de saber o que o CREA - órgão que tem o poder de definir quem pode exercer a engenharia - tem a dizer sobre os engenheiros que trabalharam nessa obra, a responsabilidade deles e quais serão as punições tomadas. Muito provavelmente, nenhuma acontecerá, pois tal órgão é conhecido por não querer criar problemas com seus contribuintes ou com quem os contrata.

Coisas raramente acontecem por acontecer em uma disciplina baseada nas ciências exatas, todos os problemas tem uma causa raiz (root cause), certamente posso afirmar que houve negligência (ou imperícia, ou imprudência, ou mesmo a velha e boa irresponsabilidade) envolvida.

Se houve o uso de materiais de baixa qualidade, ou se o projeto foi mal-feito e não levou fatores específicos em conta, presumivelmente houve a aprovação de alguém - necessária para executar a obra: por que este, então, não é punido? Não consigo encontrar outra solução para um profissional que colocou seu nome sob um trabalho, mas que não assume a responsabilidade sobre ele.


Em outros países (aqui isso é feito apenas timidamente) é comum investigar as causas de acidentes ou desastres com morte ou prejuízo ao patrimônio, para que sejam definidos protocolos, leis, normas técnicas ou mesmo para que se reformule a formação das disciplinas envolvidas de forma a prevenir que volte a acontecer.

Posso falar com mais autoridade na área onde eu trabalho (sistemas embarcados e eletrônica): um caso recente foi um bug no software de alguns veículos da Toyota que, após mortes, resultou em uma enorme investigação cujos resultados apontaram várias negligências, mas infelizmente não encontrei informações (muitas delas são confidenciais) sobre punição a culpados.



Da mesma forma, nos anos 80 ocorreu o caso Therac 25, no qual a negligência dos projetistas e desenvolvedores em um equipamento médico, levou várias pessoas a morte por overdose de radiação, simplesmente pois sistemas básicos de segurança e tratamento de erros foram ignorados (o famoso nunca vai acontecer, até que acontece).

Embora aparentemente não haja ligação entre um viaduto, um carro e um equipamento médico, todos esses eram sistemas críticos: lidavam com vidas. Atividade que não combina com gambiarras, jeitinhos, prazos ridículos, superfaturamentos, orçamentos mal estipulados e profissionais sobrecarregados - realidades que infelizmente são comuns.

Como resultado do caso Therac 25, criaram-se metodologias para projeto de software de equipamentos médicos e reforçou-se a importância da engenharia de software - inclusive das tarefas ditas chatas, como documentação, controle de qualidade, teste de software etc... e certamente o caso da Toyota irá resultar em conclusões similares assim que os acordos de confidencialidade terminarem.

E eu gostaria de ver o mesmo acontecendo por aqui: nenhum acidente ou falha de projeto terminando engavetados sem que eles levem ao menos a uma revisão das leis, dos procedimentos ou mesmo do ensino de engenharia (aliás, o problema já começa aqui, na graduação pouco vi sobre como projetar ou planejar - mas muito vi sobre como calcular ou escrever código, o que é completamente diferente).







Temos várias medidas a serem tomadas para combater esses acidentes, inclusive com o uso de um arsenal de ferramentas disponíveis, mas o melhor que poderíamos fazer para evitá-los e, no geral, melhorar a qualidade de qualquer obra ou projeto é - exigir e cobrar responsabilidade de todos os profissionais envolvidos: se uma empresa assina e executa um projeto, todos os envolvidos neste deverão assumir as consequências de eventuais omissões.