segunda-feira, 6 de outubro de 2014

O gigante voltou a dormir

Há um ano e uns meses atrás, todos iam às ruas. Pediam justiça, pediam o fim da impunidade, pediam o fim da corrupção. Pediam mudança, e esperava-se que nas urnas isso se refletisse. Porém, não vimos isso: não se pode falar que era falta de opção, pois haviam candidatos para todos os gostos de forma que, se houvesse interesse, ninguém seria reeleito.

Testemunhamos a (re)eleição de vários candidatos extremamente preconceituosos (por exemplo, no RS elegemos um deputado federal que se orgulha de ter dito que índios, gays, lésbicas e quilombolas 'não prestam'). Aliás, preconceitos se recrudesceram e se revelaram.

Nunca tivemos um congresso tão conservador - motivado, em parte, pela figura do cidadão de bem que não consegue imaginar as minorias - LGBTs, negros, indígenas, mulheres - com os mesmos direitos que eles, que gostaria de que o Brasil tivesse bomba atômica pra fazer uma faxina (sim, já ouvi isso), que ainda relaciona desmatamento e poluição com desenvolvimento e que só quer melhorias para seu grupinho.

Podemos nos preparar para prejuízos na educação (projetos para ensinar a diversidade já morrem ali mesmo), na saúde (direitos reprodutivos sendo negados às mulheres, atendimento sendo negado a LGBTs e outras minorias), na ciência (que coloca em xeque as crenças religiosas e, muitas vezes, não dá lucro), no meio-ambiente (que não escapará da mão ágil dos ruralistas para derrubar, contaminar e intoxicar), entre outros.

Dizem que os políticos representavam (ou deveriam representar) o povo; todavia, não lembro de estarmos milionários, mas elegemos principalmente políticos ricos - que pouco ou nada farão pela maioria pobre e pela classe média.

Na melhor das hipóteses, teremos mais quatro longos anos de inércia. Políticas que funcionam mais ou menos continuarão sendo aplicadas até que se atinja o ponto de saturação ou que as consequências batam à nossa porta. Remendos que eram para ser temporários irão convergir ao ponto de lei. 

Na pior das hipóteses, o resultado é imprevisível, mas é imaginável a partir da estirpe eleita e dos seus eleitores. Continuaremos liderando o ranking dos crimes de ódio, remoções forçadas serão comuns, bateremos recordes de crueldade contra o meio-ambiente, atacaremos apenas efeitos e não causas, negaremos aquilo que está na Constituição.

Muito se falava que o Brasil caminhava para uma tal ditadura comunista (o que é tão real quanto unicórnios voadores), mas agora considero que existe o sério risco de - se não oficial, de forma velada - uma ditadura evangélica/ruralista, machista e misógina, viciada na força, na falácia do desenvolvimento ilimitado e do lucro a qualquer custo.

Esperava mais, muito mais. Achei que o gigante tinha acordado, mas aparentemente ele estava apenas sonâmbulo, acordou, ficou uns minutinhos em pé e voltou a dormir. E gostaria de ver se o mecanismo irá se repetir nos próximos anos (2016 temos eleições para prefeito e vereador) - mas espero que até lá aprendamos a ser minimamente coerentes.