Via iG Tecnologia, tentar deter a pirataria pode ser mais caro que ignorá-la. Algo óbvio para qualquer pessoa com conhecimento mais avançado em redes, mas que não ficou claro para aqueles executivos que alegam o roubo de propriedade intelectual, insistindo nas suas velhas afirmações vazias, provando desconhecerem o funcionamento da Internet.
Começando essa cascata de erros pela velha falácia de calcular o prejuízo baseado na premissa de que todos os piratas comprariam tudo aquilo que obtiveram ilegalmente, algo que sabe-se ser mentira e que pode ser desmontado conversando-se com qualquer pessoa que tenha baixado coleções de músicas, filmes ou softwares.
Outro fator que demonstra a ignorância tecnológica dos burocratas do direito autoral é o simples fato de que "monitorar" a internet, mantendo logs de acesso, é impossível devido à quantidade de informações geradas. Em uma análise feita de forma simplista (até demais), suponhamos que todos os usuários baixem 100MB por dia (valor que provavelmente não corresponde à realidade). Segundo o Ibope, 37,3 milhões de brasileiros utilizam a Internet ativamente no trabalho ou em casa.
Multiplicando esses valores, temos 3.73 petabytes (quatrilhões de bytes) por dia, ou 43 gigabytes/segundo (colocando em uma unidade mais fácil de visualizar, 10 DVDs/segundo). Simplesmente não há infra-estrutura capaz de filtrar e analisar tal tráfego em tempo real, de forma transparente; haveria uma perda de desempenho para o usuário. Além disso, seria necessário violar privacidades; em uma analogia, é como uma companhia telefônica que grampeasse todas as chamadas, de forma a identificar possíveis criminosos. Assim, ficando clara a inconstitucionalidade de uma lei do tipo.
Soma-se a isso a facilidade de conseguir pontos de acesso wireless em qualquer cidade grande, seja os não-criptografados ou os que ainda usam o obsoleto protocolo WEP de segurança, facilmente quebrável com o uso de softwares como o aircrack-ng e uma antena wireless que pode ser construída por qualquer pessoa com habilidade no uso de ferramentas mecânicas; e os serviços de proxy, como a rede TOR, que dificultam - ou mesmo impedem - a identificação do usuário.
(Incidentalmente, graças ao fato acima, leis do tipo 'three strikes' transformam-se em perigosos instrumentos de chantagem e sabotagem: a possibilidade de ter uma rede acadêmica ou corporativa desconectada, por exemplo, graças a um usuário violando direitos autorais enquanto conectado a ela)
Por fim, a ineficiência desse tipo de política revela-se ao lembrarmos que a pirataria off-line ainda existe e não foi combatida. Da mesma forma que vemos camelôs vendendo CDs e DVDs nas ruas de qualquer cidade com mais de 200 mil habitantes, podemos violar direitos autorais usando HDs externos, DVDs, MP3 players, pen-drives ou mesmo carregando um notebook com tais conteúdos no HD.
Saindo do aspecto técnico, e entrando no aspecto econômico, pergunto: se as indústrias do entretenimento choram tantas lágrimas de crocodilo devido ao roubo de propriedade intelectual, por quê elas investem tanto em criar mega-produções para colocar um artista na moda, ou explorar um tema à exaustão, e descartá-lo quando ele já não for mais útil?
Será que não é hora de revisar, ou extinguir, os cachês milionários e os luxos pagos para os atores?
Precisam eles receber tanto assim pelo status, pela fama?
E quanto aos executivos de tais indústrias, eles não se importariam de receber um pouco a menos para que a empresa pudesse ter um prejuízo menor?
Várias perguntas, que nenhuma das vítimas quer responder, talvez por estarem envolvidos demais no "evangelismo" das suas ideias, repetidas centenas de vezes e transformadas em verdades inquestionáveis. Pelo desinteresse em repensar seu modelo de negócios e aceitar que não há fórmula mágica para combater os bandidos digitais, se consolando com leis agressivas.
E, por fim, é irônico ver que, enquanto se fala tanto na ameaça da pirataria, esquece-se de que existe algo com nome parecido, que prejudica ao Brasil e a vários outros países - não apenas a uma pequena elite: a biopirataria. O roubo, disfarçado de ciência, de espécies da fauna e flora locais, que irão gerar invenções patenteadas e vendidas a preços absurdos.
Onde estão os three strikes, a tolerância zero, para esses criminosos ambientais? Cadê uma política de monitoramento das fronteiras, similar àquela que querem tanto impor aos provedores? O que houve com a Justiça, que faz vista grossa para as multinacionais, ao mesmo tempo que segue uma paranoia internacional, de inventar um 1984 em busca dos lucros perdidos por empresas insistindo em um modelo falho e elitista?
Considero que há vários outros crimes - virtuais e reais no qual a tecnologia é usada como mídia facilitadora - a serem combatidos. Que sejam aplicadas medidas agressivas contra spam, pedofilia, fraudes, calúnia, e tudo aquilo que prejudica a todos os internautas, e não apenas a uma elite que reclama de barriga cheia por não querer mudar os seus hábitos. É hora das gravadoras e estúdios darem o braço a torcer e reconhecerem que elas, na situação atual, não têm lugar em um espaço no qual a discriminação pela condição financeira se torna quase impossível, e tampouco podem se sustentar em falsas agressões para manter seu estilo de vida.
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