sábado, 18 de dezembro de 2010

Blá-blá-blá audiófilo

Outro dia, quando estava em uma banca, peguei uma revista destinada aos audiófilos e cinéfilos. Reviews de amplificadores, caixas de som, tocadores de Blu-Ray, TVs de grandes dimensões (até aí tudo bem)... e cabos USB sofisticadíssimos. Cabos USB! Especialmente esse aqui (não lembro se era esse o modelo, mas ilustra o que eu quero explicar). Maravilhem-se: US$ 2849 por 3 pés (isto dá US$ 3100/m, módicos R$ 5296). Uma pechincha!

Sinais digitais são digitais, o Cap. Óbvio mandou dizer. Muitos deles contêm algoritmos de correção de erros (p. ex. as mídias ópticas têm um código que permite que um CD levemente arranhado não dê problemas [1]), ou seja, dificilmente você vai perceber um 'bit perdido'. E um HD externo, ou uma câmera digital profissional, têm uma velocidade de transmissão e uma largura de banda muito maiores que um sinal de áudio: não seria sensato, então, que os fabricantes de tais dispositivos usassem cabos mais sofisticados? Não é o que vemos, entretanto: esses dispositivos têm um cabo comum, "made in China" (como se os cabos audiófilos fossem fabricados com cobre minerado por duendes alemães).

Mas o pior são os cabos de força "audiófilos", que não introduzem coloridos no som (teria isso algo a ver com Restart e afins? - na verdade, 'coloridos' é um termo técnico utilizado para as alterações que o processamento do sinal implica sobre o áudio). Falam de efeito skin, transcondutância, 'amaciamento de componentes' etc..., abusando do eletromagnetismo e da engenharia (pergunto quantos audiófilos são engenheiros eletricistas/eletrônicos). O 'amaciamento de componentes' supostamente encontra embasamento no 'burn-in' empregado na engenharia de confiabilidade, que consiste em testar componentes em condições não-ideais, de forma a selecionar aqueles obviamente ruins (protip: isso não inclui a sua casa, com seu cachorro mordendo os cabos)

E novamente, aplica-se a lógica que já citei anteriormente: se o cabo importa tanto assim, computadores, monitores, TVs, equipamento de teste etc... viriam com cabos de força com as características que eu descrevi. Aliás, tem gente que diz que cabos audiófilos melhoram a qualidade do vídeo. Eu esperaria, então, que um monitor high-end viesse com esses cabos - o que não é o visto por aí. Talvez ficasse a sugestão para a Apple?

Também há a classe dos "powerlines", "filtros de sinal" etc.... como este. Algumas coisas que o dispositivo promete até têm um certo fundamento eletrônico (por exemplo, a correção do fator de potência, a partida suave) mas não são relevantes para áudio: equipamentos de boa qualidade são projetados justamente para tolerarem esses 'pequenos picos' de energia, e o usuário doméstico não tem muito a ganhar com a correção do fator de potência.

Mas o EXTREMO foi um desmagnetizador de CD. Acho que qualquer pessoa que tenha nascido nos últimos 30 anos (o CD foi lançado comercialmente em 1982, e já está no mercado brasileiro há uns 15 anos) sabe que CDs/DVDs/Blu-Rays são mídias ópticas, logo não sofrendo magnetização. Algo digno de um facepalm.

Um estudo objetivo para provar a não-diferença entre tais cabos envolveria o uso de osciloscópios, analisadores de espectro etc... e provavelmente os órgãos de fomento à pesquisa não têm dinheiro para gastar com pseudociência.

Uma boa instalação elétrica, uma alimentação sem oscilações, cabos que não tenham quilômetros de comprimento, evitar as fontes óbvias de interferência - por exemplo, máquinas elétricas, etc... são importantes para a vida útil do equipamento, e obviamente a experiência do usuário pode ser prejudicada por um cabo danificado ou epicamente ruim, ou por um ambiente com uma acústica inadequada ou fones comprados em camelô. Mas não justificam gastar centenas de reais em cabos "audiófilos", nem em dispositivos que supostamente melhoram a qualidade do áudio.

Por falar em instalação elétrica, vi em outra revista voltada ao público audiot... er, audiófilo, uma pessoa que argumentava que nunca se deveriam desligar os amplificadores e outros equipamentos, pois a energia elétrica era o oxigênio do equipamento (de certa forma faz sentido) e desligá-la era deixar o equipamento sem ar. É aquele típico momento que só pode ser representado por um facepalm.

Não vou entrar, também, no mérito dos amplificadores valvulados vs. os amplificadores transistorizados: isso é assunto para um outro post. Os amplificadores valvulados continuam sendo preferência entre guitarristas e outros músicos, devido ao som sujo causado pelas válvulas saturadas (corrijam-me se eu estiver errado). 

E se algum audiófilo quiser me refutar, será bem-vindo, desde que empregue métodos científicos (e não observações subjetivas incentivadas pela necessidade de não se arrepender dos R$ 5 mil gastos em cabos) para determinar que, sim, um cabo USB de R$ 5 mil é melhor que um cabo de R$ 15. Estou armado com osciloscópio e gerador de funções. Alguém encara?

[1] Tive, uma vez, um CD de música que simplesmente se recusava a tocar em qualquer computador, só tocava em aparelhos de som. Não era nenhum método "anti-pirataria", pois o CD era anterior à crise de paranoia das gravadoras. Mistérios que nunca resolverei.

Referências:

http://www.theaudiocritic.com/back_issues/The_Audio_Critic_26_r.pdf
http://dvice.com/archives/2008/09/1800-power-cord.php
http://www.lessloss.com/
http://www.htforum.com/vb/showthread.php/74141-Cabo-audi%C3%B3filo-na-tv!
http://www.ferraritechnologies.com.br/versao/pt/transparent/linha_de_forca.asp

2 comentários:

  1. Birck, até onde sei, válvulas demoram mais a saturar e emitem harmônicas pares agráveis à nossa audição.

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  2. Bremm, foi exatamente isso que eu encontrei fazendo pesquisas mais aprofundadas. :)

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