(Obs.: Nesse texto vou me manter nas exatas, considerando que é a área na qual mais me envolvo, porém muitos dos argumentos podem ser adaptados para as humanas e as sociais)
É relativamente comum ver pessoas reclamando de pesquisas que não servem para nada. Estão jogando dinheiro público fora, reclamam. Estão gastando dinheiro em pesquisas enquanto pessoas morrem de fome, dizem.
Ignorando os óbvios erros de raciocínio (a saber: não são as pesquisas que causam a fome mundial, e um país cuja sociedade vê pesquisa como 'jogar dinheiro fora' está condenado ao atraso), simplesmente: a pesquisa não tem nenhuma obrigação de servir para alguma coisa quando isso não é o objetivo dela.
Muitas pesquisas básicas podem não ter aplicação hoje, mas terão amanhã: sem a mecânica quântica você não estaria lendo esse blog, pois não existiria a microeletrônica, e também estaríamos atrasados na química, na biologia e na medicina (esqueça o diagnóstico por imagem, por exemplo).
Sem o desenvolvimento da matemática, em áreas como a lógica e a criptografia, não teríamos a computação. Nada do que você usa existiria, não fosse pelas muitas pesquisas que criaram uma base para permitir o desenvolvimento dessas. E já que eu falei em matemática, neste post no Math Overflow encontrei uma lista de aplicações de diversos tópicos da matemática: divirta-se.
Todas essas áreas não tinham aplicação, ou mesmo não existiam, até uns 100 anos atrás. Nada impede que o que não tem aplicação hoje sirva amanhã para, por exemplo, possibilitar viagens no tempo, o teletransporte, ou (sendo mais realista) uma nova forma de projetar equipamentos, de diagnosticar e curar doenças, etc...
E por sinal, muitas dessas teorias nasceram da necessidade de resolver problemas reais. Surgiram da necessidade de justificar fenômenos que a teoria anterior - embora correta até certo ponto - não explicava, ou do desejo de uma forma mais eficiente de resolver um problema. A pesquisa básica realimenta a pesquisa aplicada, e vice-versa.
Infelizmente, essa mentalidade já faz parte de uma cultura imediatista, onde tudo é pautado pela necessidade de dar dinheiro, de ser disruptivo, de mudar o mundo, de gerar grandes sucessos (onde define-se sucesso por ter status, ser influente e ganhar dinheiro). E que, pelo andar da geração Y e posteriores, tão cedo não vai mudar. Mas divago.
A segunda crítica (... gente morrendo de fome ...) é bem comum quando se fala em exploração espacial. Ignora-se toda a pesquisa envolvida nas missões e sondas enviadas para outros planetas. Sem a exploração espacial, você não estaria usando comunicações sem fio e você teria que jogar fora boa parte da aviação (a qual se beneficiou dos sistemas de alta confiabilidade necessários para exploração espacial) - além de outras áreas onde são usados sistemas críticos.
Além disso, essa crítica coloca nos cientistas uma culpa que não é deles, ao mesmo tempo em que ignora que os governos cada vez mais reduzem seus orçamentos para ciência, ignora as dificuldades do fazer ciência, entre outros problemas de um pensamento imediatista. Ignora que a fome e outros problemas da humanidade, em si, é um problema principalmente social, político e econômico, não tecnológico.
E para piorar, ignora todos os benefícios da pesquisa científica a um país que nela investe: formação de profissionais capacitados, desenvolvimento de infra-estrutura etc...
Nenhuma pesquisa bem-feita (ignorando, obviamente, a pseudociência, a pesquisa feita sem planejamento adequado, sem rigor e sem objetivos claros etc...) serve para nada. Na pior das hipóteses, abre caminhos para novas pesquisas; mesmo um resultado de falha pode sinalizar o que não deve ser feito, o que não funciona. Pode ser que não se descubra um caminho novo, mas demonstra quais caminhos são sem saída.
Nem tudo requer uma aplicação instantânea: precisamos - como nunca - da pesquisa básica. É ela que, como o seu próprio nome diz, fornece a base para a inovação tecnológica; fornece ferramentas que poderão ser utilizadas em diversas áreas do conhecimento.
(Foto: Horia Varlan/Flickr, licenciada sob Creative Commons)
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