Opiniões e considerações sinceras sobre temas diversos, vindas de um engenheiro que escreve nas horas vagas (ou o contrário).
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009
Descomplicando: Creative Commons
Nota do autor: esse documento é baseado em interpretações, conhecimentos e pesquisas que eu fiz. Não sou advogado, logo posso ter errado em algumas partes da interpretação legal. Assim, correções e adições serão sempre bem-vindas (afinal, esse é o objetivo da Creative Commons :) ).
O que é CC?
Assim como existe o software livre, aquele que pode ser copiado, modificado e redistribuido livremente (sob as 4 liberdades básicas definidas pela FSF), nas suas mais diversas licenças, em 2001 surgiu um conceito análogo, mas para outras formas de criação que não o software: o Creative Commons (daqui em diante, referido como CC).
Ele garante, ao mesmo tempo que mantém os direitos autorais (ou seja, ninguém pode pegar o trabalho de alguém e simplesmente tomar posse) e um conjunto de direitos definido pelo autor (ele pode, por exemplo, optar se permite o uso comercial), permite a colaboração, a troca de ideias. É o chamado copyleft, um meio-termo entre os todos os direitos reservados (copyright) e o nenhum direito reservado (domínio público)
A partir da ideia do CC, surgiram projetos como o Science Commons, que visa desenvolver, abertamente, estratégias de pesquisa científica e ferramentas para facilitar a colaboração e a interação entre cientistas.
Que tipos de conteúdos podemos encontrar sob CC?
Diversos. Livros e textos, vídeos, áudio e músicas, imagens e fotos, tirinhas (como a xkcd), e até mesmo mapas, entre muitos outros.
Tem valor legal?
Sim, no Brasil e em vários outros países. Aqui, ele é regulamentado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Em 2006, por exemplo, Adam Curry, que tinha fotos sob a licença CC não-comercial no seu Flickr, processou um jornal holandês que tinha usado comercialmente essas imagens. Um consenso foi atingido (o jornal não precisaria pagar indenização se não voltasse a repetir o erro), assim provando que a licença CC realmente funciona.
Portanto, é importante não confundir CC com simplesmente "pegar e usar", sempre precisamos olhar atentamente a licença escolhida pelo autor e estar consciente das limitações.
Como licenciar meu trabalho?
Comece por aqui, em um assistente bem next-next-finish, selecionando os parâmetros de acordo com as suas necessidades, e depois, se você quiser (e é claro que você vai querer :) ) publique-o em algum serviço que suporte conteúdos livres, como o Flickr (fotos), Jamendo (músicas), entre outros, ou se for um blog, página pessoal ou documento texto, coloque o ícone CC nele.
Como divulgar meu trabalho CC?
Não há uma fórmula, mas eu começaria pelos seguintes passos:
- Comece colocando tags e informações relevantes, de forma a facilitar a busca.
- Use formatos e softwares livres sempre que possível, visto que muitos dos desenvolvedores de conteúdo CC usam sistemas que não o Windows e, muitas vezes, usam software livre. Formatos como svg (para imagens vetoriais), ogg (para áudio e vídeo), entre outros, são os mais adequados.
- Participe! Use o trabalho CC dos outros (respeitando a licença, é claro), deixe comentários e opiniões em fotos, músicas e artigos...
E se eu precisar de uma exceção/alguém precisar de uma exceção para usar o meu trabalho?
Então partimos diretamente para a negociação com o autor.
Exemplo: Digamos que você encontre uma imagem em Creative Commons, BY-NC-SA, ou seja, apenas para fins não-comerciais, mas queira usar em um anúncio.
Você, obviamente, não pode violar a CC, mas pode negociar diretamente com o autor; nesse caso, as condições variam. O CC+, uma extensão do CC, tratará exatamente disso, a possibilidade de licenciamento duplo.
É possível conciliar CC com lucro financeiro e/ou outros interesses?
Sim: basta olhar o exemplo do Nine Inch Nails, que lançou seu CD Ghosts I-IV sob CC. Embora fosse possível copiá-lo livremente, de forma legal (desde que não houvessem fins comerciais), foi um dos mais vendidos na Amazon em 2008.
O MIT, por meio do projeto Open CourseWare, também disponibiliza mais de 1800 materiais educacionais, em assuntos que vão desde informática e física até urbanismo e política, sob CC.
Quantos usuários e onde é utilizado?
Estimar é difícil, a fundação Creative Commons calcula cerca de 130 milhões de trabalhos licenciados sob CC.
No Google:
- Resultados 1 - 10 de aproximadamente 187.000 para "Este" * "está licenciado sob uma Licença Creative Commons"
- Resultados 1 - 10 de aproximadamente 26.900.000 para "This" * "is licensed under a Creative Commons"
No Flickr, no momento em que eu escrevia esse post, havia mais de 90 milhões de imagens sob Creative Commons (considerando todas as licenças possíveis), uma quantidade comparável a de um bom banco de imagens, e esse número cresce a cada momento.
No Brasil temos a Agência Brasil, uma fonte de conteúdo jornalístico.
No Wikimedia Commons, temos quase 4 milhões de conteúdos disponíveis.
É claro que eu cobri apenas dois idiomas, e há intersecções entre as buscas, mas já é possível notar a abundância de conteúdos livres, cuja tendência é sempre crescer.
O CC é uma das mais poderosas ferramentas que temos para a realização da verdadeira inclusão digital e cultural, ao permitir e incentivar o trabalho em conjunto e o reuso de informações e produções. Não é necessário ter medo dele, mas sim entendê-lo e fazer uso dele, ao colaborar nas mais diversas formas possíveis.
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Parabéns Renan,
ResponderExcluirSeu texto é muito bom e deixa bem claro a que se propõe a Creative Commons.
( ^^)
Excelente texto, esclarecedor e prático.
ResponderExcluirGostaria da sua autorização para publicar este artigo no meu blog, alterando o mesmo apenas para a realidade Portuguesa sobre a licença CC, referenciando a sua autoria e lincando para o seu site. Você me autoriza?
O meu site é http://liberdadegrafica.blogspot.com
Belo texto, Renan. Prático e objetivo como sempre foste. Estou até pensando em botar sob CC algumas coisas.
ResponderExcluirAbraço.
Olá Renan, o Creative Commons é um documento de licença, baseado no princípio do direito autoral. Assim, nem precisa a FGV manter a versão em português do CC para ele ter validade legal no Brasil, ao incluir qualquer licença em uma obra (seja ela CC ou uma do próprio autor), ela é protegida pelo tratado da convenção de Berna, da qual o Brasil é signatário. No mais, tudo legal com o texto.
ResponderExcluir"Nuno Miguel disse...
ResponderExcluirExcelente texto, esclarecedor e prático.
Gostaria da sua autorização para publicar este artigo no meu blog, alterando o mesmo apenas para a realidade Portuguesa sobre a licença CC, referenciando a sua autoria e lincando para o seu site. Você me autoriza?
"
Pode colocar, sem problemas.
Oi, Renan,
ResponderExcluirParece que há uma mistura entre a noção de Software Livre e a noção de copyleft, e copyleft não está muito bem definido.
A Definição de Software Livre, de fato, estabelece 4 liberdades essenciais para os usuários de software. Copyleft é um artifício legal que se utiliza da lei restritiva de copyright para permitir somente usos da obra que respeitem essas 4 liberdades. Ou seja, ao invés de "copyright: todos os direitos reservados", temos "copyleft: para todos, os direitos preservados".
Não é um meio termo entre copyright e domínio público, não é um copyright enfraquecido, é o uso de toda a força do copyright como uma vacina contra abusos do direito autoral contra liberdades dos usuários. Todos os usos de obras que requeiram permissão do titular de direito autoral, numa obra licenciada sob licença de copyleft forte como a GNU GPL, são permitidos apenas conquanto as liberdades dos demais usuários sejam respeitadas.
Mais detalhes sobre isso em http://fsfla.org/blogs/lxo/pub/copyleft
Não vejo que seja possível traçar um paralelo sólido entre a idéia de Software Livre (respeito a liberdades fundamentais) com Creative Commons (enfraquecimento experimental de propriedades do direito autoral).
É fato que, assim como há inúmeras licenças de Software Livre, das mais permissivas às de copyleft mais forte, há inúmeras licenças Creative Commons. A diferença crucial é que não há nenhum fator comum a todas as licenças Creative Commons.
Dizer "esta obra está sob uma licença Creative Commons" não comunica absolutamente nada, além de que algum aspecto (não especificado na afirmação) do direito autoral está relaxado. Pode variar entre permissão para determinados usos, encurtamento do prazo de vigência do direito autoral da obra e limitação geográfico-econômica da vigência do direito autoral sobre a obra.
Ao contrário do Software Livre, nada se pode afirmar sobre o que é possível fazer com uma obra uma vez que se saiba que a obra está disponível sob alguma licença Creative Commons. Nem mesmo o compartilhamento não comercial da íntegra ou de porções da obra é garantido, apesar de várias licenças que não permitiam essas práticas terem sido descontinuadas para tentar dar alguma direção consistente ao arcabouço de licenças. Restam ainda exceções, mas já é possível vislumbrar o fator comum: compartilhamento não comercial sem modificações.
Um paralelo talvez mais adequado com Software Livre é a Cultura Livre, que generaliza as 4 liberdades para outras obras culturais, ainda que sem (que eu saiba) um arcabouço filosófico, moral e ético que justifique a necessidade das mesmas liberdades para outros tipos de obras que não software.
http://freedomdefined.org/Definition
Há algumas licenças Creative Commons que se enquadram na definição de Obra Cultural Livre, mas não são nem maioria. Pra ver como o paralelo entre Software Livre e Creative Commons é inadequado...
Fora a seção de "O que é CC?", comentada acima, o texto está muito bom e bastante esclarecedor. Valeu!
--
Alexandre Oliva
OK, obrigado pelas sugestões.
ResponderExcluirRenan, obrigado!
ResponderExcluirParabéns pelo texto, Renan! Esclarecedor e ao mesmo tempo instigante... Dá vontade de saber mais e mais...
ResponderExcluirTemos um grupo de estudos aqui em SSA e estamos discutindo a Lei de Direitos Autorais. Vou enviar o link do seu blog para a galera, ok?
Um abraço!