Vire o seu teclado (não se assuste com a sujeira que provavelmente irá cair) e olhe a origem dele. Quase certeza que foi feito na China, como a maioria dos equipamentos eletrônicos atuais. Se ele for de marcas como a Dell, IBM, Microsoft ou HP, há grandes chances dele ter sido produzido por uma empresa chamada Meitai Plastic and Electronics.
Seria mais uma empresa, como as muitas que possibilitaram o crescimento estrondoso da China, não fosse pelas condições relatadas no artigo "High Tech Misery in China: The Dehumanization of Young Workers Producing Our Computer Keyboards".
Basta olhar as fotos para entender o que se passa. Do site:
Os trabalhadores sentam-se em banquetas de madeira, sem apoio para as costas, entquanto 500 teclados/hora se deslocam pela linha de montagem, 12 horas por dia, 7 dias por semana, com apenas dois dias de folga por mês.
Cada funcionário precisa colocar 6 teclas em 7,2 segundos, ou seja, 1,2 segundos por tecla. Um trabalho mecânico, feito por pessoas reprogramadas - por meio da lavagem cerebral que fica explícita no estatuto corporativo - "... devem tratar a companhia como segunda casa..." - para atuarem como máquinas. Tudo isso por quanto? Em dólares, $0,41 por hora, descontados os impostos e o custo dos alojamentos. Isso, 41 cents, menos de 1 real por hora. (Para referência, nos Estados Unidos esse trabalho custaria na média de $13/hora).
Os quase-escravos são proibidos de se expressar, pois qualquer tentativa de protesto, ou mesmo de conversar, será descontada do seu mísero salário. Qualquer pequena transgressão, até mesmo sair de uma fila, é motivo para uma multa ou a demissão.
No almoço, uma porcaria qualquer, que alguns se arriscam a chamar de comida. Uma pequena porção para cada um, e pronto. Não gostou, não come e passa o dia com fome. Reclamou? Multado.
No fim do dia, eles retornam para os alojamentos (porque a fábrica passa vários dias fechada), recebem uma pequena e insignificante refeição e se sujeitam a dormir em camas caindo aos pedaços. Tomar banho? De balde. Se esse alojamento ainda fosse gratuito, mas não, ele é cobrado. Aliás, tudo lá custa para os funcionários. Até mesmo a eletricidade usada por eles, ou uma consulta médica é cobrada.
Segurança do trabalho e respeito ao meio ambiente, assim como na maioria das fábricas chinesas, é um sonho, pois os trabalhadores estão expostos, alguns por até 81 horas semanais, a diversas substâncias tóxicas e condições de risco. Alguns reclamam, inclusive, de intoxicações diversas.
Não se convenceu ainda? Leia alguns dos depoimentos dos funcionários:
Me sinto como se estivesse condenado...
A fábrica está sempre nos empurrando para baixo e não tolera nem mesmo o menor erro. Quando estamos trabalhando, trabalhamos continuamente. Quando comemos, temos que comer rapidamente. Quando eu [o funcionário] preciso ir ao banheiro, tenho que tentar me segurar. Os seguranças são como policiais observando prisioneiros. Nós somos um rebanho e não deveríamos ser chamados de trabalhadores. Mesmo quando você sai do seu turno, não há liberdade. Até prazeres simples como caminhar ou dar uma voltinha na rua são observados de perto pela fábrica. -- Trabalhador 1
Minhas mãos estão sempre se mexendo...
Todo dia eu entro na fábrica e monto teclados. Minhas mãos estão sempre se mexendo e eu não consigo para por um segundo. Nossos dedos, mãos e braços estão inchados e doloridos. Todo dia eu faço isso por 12 horas. O que é pior é a pressão e o tédio constante do trabalho. -- Trabalhador 2
Não somos humanos...
Trabalhando assim todo dia eu não vejo diferença entre nós e as máquinas. A chefia nos trata duramente; é como se não fossemos humanos. Eles não nos veem como pessoas. Eles nos tratam como ferramentas. A fábrica tem que pagar para comprar as máquinas, mas não tem que gastar dinheiro conosco. -- Trabalhador 3
Nós temos que implorar para o chefe...
As regras da fábrica são como uma lei privada. Nós somos forçados a obedecer e tolerar o tratamento duro da chefia. Alguns dos trabalhadores mais novos têm namorados(as) fora da fábrica e, se eles quiserem marcar um encontro, temos que implorar para o chefe para ele permitir que nós deixemos a fábrica -- Trabalhador 4
Acho que aqui todo mundo já está convencido. E tudo isso é patrocinado pelo governo chinês, que manipula a moeda e os impostos para baixar os custos e promover o crescimento, com uma mãozinha dos EUA, que dá várias vantagens para as importações. Quem se importa se os direitos do trabalhador são violados explicitamente? Trabalhador é peão, o que importa é dinheiro para os gerentes, clientes satisfeitos, economizar a todo custo (um negócio tanto para o fabricante quanto para o distribuidor) em nome da inovação tecnológica, do progresso da tecnologia da informação.
E, principalmente, em nome do lucro. Não importa se alguém está trabalhando em condições subumanas, o que importa é que os executivos de importantes empresas de TI terão condições de mostrar relatórios maravilhosos para seus investidores e ver suas ações subirem.
Ironicamente, a mesma Microsoft que tem fornecedores trabalhando em condições que claramente violam os direitos do trabalhador, é praticamente insana com a proteção dos seus direitos autorais na mesma China. Mas tudo bem, proteger seus segredos industriais e patentes vale mais que fornecer condições dignas aos seus empregados indiretos. E é assim que o capitalismo selvagem funciona, atenda seus próprios interesses, satisfaça seus acionistas, fique rico, seja um caso de sucesso e quem se importa com o resto?
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