Considere a seguinte afirmação: "Um dos fatores cruciais para o aumento sistemático, estocástico e não-determinístico da minha intolerância perante meu interlocutor é o uso de uma linguagem saturada com estruturas gramaticais intrincadas e nebulosas e vocábulos rebuscados, notadamente em se tratando de mero discurso sem algum valor construtivo.": Mais de 300 caracteres e 44 palavras.
Agora, considere a decodificação dela em uma linguagem mais acessível aos meros mortais: "Não tenho paciência para quem quer enrolar falando difícil". Uma frase cujo significado é bastante claro para qualquer pessoa que tenha conseguido chegar a esse blog.
Normalmente, esperar-se-ia que a segunda forma seria mais usada e aceita. Mas, infelizmente, não. Há pessoas que gostam da primeira forma, seja por ela parecer algo intelectual, difícil, ou mesmo para disfarçar uma falta de conhecimento do assunto com uma linguagem complexa, que desvie a atenção do ouvinte. Um rebuscamento forçado, talvez em uma tentativa de provar que sabe e que não fala errado.
Isso não seria um problema, não houvesse um grande número de pessoas que se impressionam e se deixam levar pela eloquência. Assim sendo, ela é a ferramenta perfeita para vendedores picaretas, advogados picaretas, políticos picaretas, entre outras, aquela classe infeliz de seres que se alimenta da ingenuidade dos outros. Perfeita para convencer, afinal quem irá duvidar de um dotô?
Outra característica normalmente apresentada por essas pessoas é a necessidade de abusar dos estrangeirismos - ainda que hajam palavras similares na língua portuguesa - para parecerem poliglotas (mesmo que com isso pareçam trogloditas, como no clássico episódio de Chaves), cosmopolitas ou, simplesmente, sofisticadas. Não existe mais liquidação na loja de departamentos, existe uma sale na megastore. As boas ideias viraram 'insights'. DVDs (ou Blu-Rays) são executados em players e assistidos em displays. E o design não é mais restrito ao profissional diplomado nesta área: o músico virou sound designer. E o velho confeiteiro tornou-se um cake designer (essa era nova para mim), ao mesmo tempo que transformava sua padaria em um sofisticado ambiente, cuja iluminação foi projetada por um lighting designer. A propósito, ele quer seu feedback sobre a nova decoração, pode colocar ali na caixinha de sugestões.
Longe de parecer xenófobo (afinal, ninguém gostaria de ter que falar telemóvel ou digitalizadora [1], e nem de retirar termos como modem, timer ou reset do vocabulário), mas será tão grande a força por trás dessa necessidade de parecer intelectual e sofisticado, que até o vocabulário torna-se algo tão forçado e superficial quanto as próprias pessoas?
Cansei de linguagens forçadas. Se for para demonstrar conhecimento do idioma, que ele seja feito falando corretamente. A propósito, é importante não confundir escrever de forma simples com escrever errado (como muitos fazem, depois acusam os outros de preconceito linguístico). Muito pelo contrário: escrever corretamente, de forma a ser entendido facilmente, é uma das formas mais simples e eficientes de escrever.
Mas nunca usando os vocábulos como conteúdo para preenchimento de embutidos de origem suína. Por sinal, acabo de ter um insight no meio de uma sessão de brainstorming. Tenho que voltar ao meu job de design de engenharia, cujo objetivo é aumentar o feedback de um loop de players interconectado a um conjunto de displays. Fui.
[1] vulgo scanner.
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