A falta de engenheiros virou um pequeno pânico. Toda hora se fala nela. E realmente, vagas passam um bom tempo sem ser preenchidas: não por faltarem engenheiros (o que levou a uma disparada para as faculdades - espero daqui a uns anos ver o pessoal desiludido por que eles não vão ficar ricos), mas por motivos diversos.
Primeiramente, um motivo óbvio: muitas empresas não pagam o piso salarial para os engenheiros. Seja contratando analistas (que não são engenheiros, ou seja, não são cobertos pela lei), seja simplesmente ignorando a lei. E depois são essas mesmas empresas, e seus donos, que tem a audácia de reclamar da corrupção (dos outros, por que a delas é necessária).
E o CREA nada faz: por motivos óbvios ele não vai se meter com quem contrata quem paga a anuidade deles. Ele não vai criar animosidades com o governo ou com empresas - sob pena de ser rotulado como o órgão que está atrasando o progresso.
Ele não vai mexer um dedo para tentar cortar a burocracia, caso contrário ele vai gerar desemprego (sim, já vi gente usando essa expressão para defender o inchaço dos órgãos públicos, os cabides de emprego, a burocracia etc...). E, como bem estamos cansados de saber, burocracia é corrupção: só existe gente subornando por que há a necessidade de subornar, só se paga para furar a fila por que a fila está lá.
Nenhum governo vai se envolver para punir empresas, caso contrário o Brasil deixa de ser um país bom de investir (leia-se: país bom de conseguir altíssimos lucros) por que estão enchendo o saco do cidadão de bem que quer ganhar dinheiro.
Essa desvalorização levou muitos engenheiros a irem para outras áreas, principalmente as administrativas - onde eles acabam sendo mais valorizados e recebendo salários melhores (ou muitas vezes, apenas justos). Ou seja, acabam faltando engenheiros para as partes técnicas, operacionais etc... e isso está se fazendo notar agora com o certo crescimento econômico que estamos tendo, o que se traduz no grito de SOCORRO! FALTAM ENGENHEIROS!.
(Aliás, o problema da desvalorização não é apenas das engenharias: todas as profissões no Brasil encontram-se nessa situação, excetuando-se talvez as carreiras jurídicas e alguns poucos profissionais que conseguem explorar alguns filões. Mas isso é tema para outro texto)
Outro não menos grave problema: as universidades - principalmente e infelizmente as públicas - estão fora de sintonia com o que o mercado e a indústria precisam. O ensino ainda é fundamentalmente teorético, voltado a resolver os problemas descritos nos livros. Livros muitas vezes arcaicos, obsoletos, com tecnologias que já não se usam mais há anos.
Na graduação, eu aprendi a resolver muitos problemas em situações imaginadas: despreze a resistência do ar. Calcule não sei o que na gravidade de Júpiter. Suponha que tudo é linear e que o mundo é elegante. Deduza a fórmula. Decore a fórmula (ou ponha ela na HP). É mais importante mostrar como se chegou ao resultado do que aplicar o resultado.
Eu tive professores que davam aulas com material da época das empresas estatais de energia/telecomunicações (da época em que ainda existiam CEEE, CRT, Telebrás etc...) ou com lâminas que eles tinham escrito há 25 anos atrás.
Pouca ou nenhuma ênfase foi dada à prática, à capacidade de resolver problemas reais em um universo não-linear e cheio de fatores contraditórios. Pouco se ensinou e se praticou o troubleshooting, a arte/ciência de resolver problemas, ou sobre como se transforma um requisito em uma solução.
A opção para contornar esse problema seria fazer estágios desde cedo - opção inviável para muitos, considerada a carga horária do curso, e pior ainda quando se mora em uma cidade onde praticamente inexistem oportunidades para certos campos da engenharia.
Outra opção é o autodidatismo, infelizmente prejudicado pela cultura do diploma: não basta saber fazer e mostrar que sabe, é necessário um papel atestando que se passou por anos de aulas - das quais não foi tirado nada devido aos já citados problemas.
Uma das alternativas que os alunos acabam procurando é a pesquisa, porém em muitos casos ela é teórica, voltada à produção intelectual (que interessa a quem almeja uma pós-graduação) sobre um tema muito específico e não gera aplicação real.
A maioria dos meus professores foi direto da graduação para a pós, e o pouco de experiência profissional que eles tiveram se restringiu aos 6 meses do estágio obrigatório. Viraram os famosos especialistas de nada: sabem tudo sobre um assunto extremamente específico, e só.
E eles não veem nada de mal nisso, o conhecimento deles rende um fator de impacto (a moeda do mundo acadêmico) alto, graças ao sem-número de papers que eles podem publicar.
Colabora com isso tudo a tal da dedicação exclusiva, que aliena os professores e os impede de vivenciar o mundo real. Um professor pode ficar horas descrevendo as maravilhas do empreendedorismo, mas não pode empreender. Um professor pode ficar horas descrevendo o que deveria ser feito na indústria, mas não pode fazer. Um professor de administração não pode administrar.
Sem falar nos requisitos impossíveis de algumas empresas: é necessário que o engenheiro seja jovem (afinal, profissional velho "não aprende", "não tem flexibilidade") mas tenha vasta experiência.
É necessário que ele seja recém-formado, mas tenha conhecimentos profundos (que não se adquirem sem o exercício da profissão). É necessário que ele tenha 10 anos de experiência em uma tecnologia que só existe há 5. É preciso que ele seja jovem, fale 3 idiomas fluentemente e tenha experiência em liderança. Condições impossíveis para 99,9% dos formandos.
Por fim: muitas das empresas daqui ainda mantém a mentalidade de que pesquisa e desenvolvimento, treinamento etc... são gastos. O negócio é vender o mesmo produto ou serviço por anos, e ainda prejudicar quem tenta fornecer algo melhor e mais barato.
Com essa mentalidade, não me surpreende que o país esteja tão atrasado em inovação e que nossa sexta (ou sétima? não sei) maior economia seja baseada em indústria de baixíssima tecnologia.
Faltam engenheiros? Faltam. Por culpa de muita gente: por culpa de todo o nosso modelo educacional, que - guiado por professores que sabem quase tudo sobre quase nada - avalia a capacidade de resolver problemas teóricos e não de aplicar conhecimentos.
Por culpa das empresas, que decidiram ignorar a lei ao mesmo tempo em que reclamam de quem ignora as leis - e depois reclamam que nenhum engenheiro quer aceitar o salário horrível que eles oferecem.
Por culpa da burocracia (que, estranhamente, não vitima as grandes empresas - as mesmas que tem dinheiro para financiar campanhas e comprar seus benefícios) e pela inutilidade do conselho profissional.
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