Calma: este não é um post sobre dietas bizarras ou sobre gente com hábitos alimentares estranhos. Tampouco descrevo minhas experiências com o já citado alimento.
Em informática, existe um conceito chamado dogfooding (literalmente: comer sua própria comida de cachorro). Em português não há expressão similar, até onde eu sei (exceto talvez provar do próprio veneno, mas dogfooding não tem a conotação negativa desta).
Trata-se de uma empresa (de tecnologia, geralmente) usar seu próprio produto no dia-a-dia, em todas as etapas de desenvolvimento. Acho que todo mundo aqui acharia graça se a Microsoft não usasse Windows na maioria dos seus computadores ou se a Apple desse um smartphone da Samsung para cada um dos seus funcionários [1]. E ninguém compraria de uma empresa de informática que usasse máquinas de escrever.
Da mesma forma, o dogfooding expõe problemas reais que acontecem no uso de um produto e que podem passar despercebidos por testes, especificações e outros. Serve para a gerência ver (até certo ponto) como o usuário final irá empregar o produto. Foi dessa forma que a Microsoft, entre outras, revelou (e revela) vários bugs no Windows: todos os desenvolvedores deles são obrigados a usar o ambiente que eles estão desenvolvendo.
Em qualquer indústria é fácil de ver isso. Os fabricantes de um produto confiam nele? Além de fazer propaganda, eles consomem seu produto? Já vi restaurantes onde o dono não comia lá: óbvio que eu fui em outro lugar. Já vi desenvolvedores que não usavam seu próprio produto e, portanto, ignoravam problemas óbvios. Inclusive, já fui um desses.
Muitas vezes, quando eu pego um manual de instruções ou um livro, eu fico tentando decifrar o que seus autores escreveram: pergunto se eles tentaram se instruir pelo que eles mesmos escreveram. Ficou claro que não.
Mas esse conceito pode ser aplicado para muito além da tecnologia. Basta ver a quantidade de discursantes que não comem sua própria comida de cachorro: deixam para os outros cumprirem o que eles querem que seja cumprido, mas não cumprem o que eles mesmos pregam.
Falam um monte, prometem um monte, e até mesmo fingem que cumprem até a hora em que a situação aperta: é fácil falar de honestidade até que ela é posta à prova. É fácil dar um discurso inflamado contra X ou Y, mas usar esse mesmo X ou Y às escondidas. É bem comum falar que não tem preconceito até a hora em que se... tem preconceito.
Evidentemente, a maioria das pessoas não come a sua própria comida de cachorro. Elas deixam para que os outros a comam, mesmo que ela não alimente (como é o caso da maioria dos discursos recheados de platitudes) ou esteja estragada.
A maior prova de honestidade é comer sua própria comida de cachorro. É gostoso (ou não, depende da mão do cozinheiro) e faz bem. Na melhor das hipóteses, ela permite a alguém refinar seu trabalho; na pior das hipóteses, desmascara.
(Fonte da imagem: slava/Flickr - e aliás, notar semelhança com o cachorro da necessidade)
[1] No sentido estrito, esse exemplo não é o mais adequado, pois podem haver outras motivações técnicas para que um funcionário não necessariamente use os produtos da empresa. Mas aqui ele é bom o suficiente.
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