sexta-feira, 21 de junho de 2013

Já tinha gente acordada

Depois dos recentes acontecimentos virou lugar-comum dizer que o brasileiro acordou. E de certa forma é verdade, o povo foi as ruas, embora com causas vagas e desconexas.

Porém, muitos dos que dizem isso omitiram que os movimentos sociais já estavam acordados há um bom tempo. Eles acordaram cedo, antes do sol nascer. Estavam protestando por direitos das minorias, lutando por justiça para os mais necessitados, tentando abrir caminhos.

Só que chamavam eles de vagabundos, gente sem ter o que fazer. Diziam que os militantes não eram gente de bem, por que gente de bem estava trabalhando, e não defendendo coisas de vagabundos. Foi nessa mesa que pediram lógica circular (gente de bem não defende coisa de vagabundo por que vagabundo não é gente de bem)?

Eles diziam que as mulheres que lutavam por igualdade de direitos queriam destruir a sociedade. Que direitos reprodutivos seriam assassinato e que educação sexual iria formar uma geração promíscua. O negócio deles é o obscurantismo. E ironicamente, eles reclamam da educação, mas queriam que fosse ensinado apenas o que lhes interessava: não queriam nenhuma contradição e nenhuma discussão.

Eles diziam que os movimentos LGBT eram viadagem e que se eles tivessem direitos fundamentais teríamos que legalizar a pedofilia e a zoofilia, em um declive escorregadio perigosamente burro. Defendiam a velha família mamãe-fica-em-casa-papai-foi-trabalhar. Sempre com os mesmos argumentos. Sempre com a mesma fala do pastor.

Eles diziam que as minorias queriam viver de bolsa-esmola, que elas queriam privilégios e que elas não podiam reclamar por estarem sendo desalojadas em nome de um suposto progresso. Que quem reclamava das mastodônticas (e superfaturadas, e de enorme impacto ambiental) obras estava querendo que o país vivesse atrasado.

Eles diziam que quem era contra as religiões organizadas estava querendo expulsar Deus do país. Que era perseguição religiosa. Que não havia nada de errado em uma tal cura gay (como curar o que não é doença?) ou em um pastor servir ao dinheiro e não a Deus. Eles diziam que discurso de ódio era liberdade de expressão.

Eles diziam que eles deveriam estar protestando contra a corrupção, o que é tão específico quanto protestar pela paz ou protestar pelo meio-ambiente. Só protestar por uma causa genérica e não atacar suas reais causas: financiamento privado de campanha, especulação, burocracia etc... que, em última instância, estão intimamente ligadas ao sistema econômico, é fácil.

Para muitos deles, a corrupção, e todos os outros problemas do país, nasceram com o PT. O país era uma maravilha há 10 anos atrás e hoje é um inferno. Ignoravam toda a dinâmica do capitalismo e o simples fato de que, para existir corrupção, precisa haver corruptor. Corruptor esse que sempre sai ignorado.

E principalmente: ignoram as pequenas corrupções. Faz parte do entitlement [1] deles: eles podem cometer, afinal o governo rouba e não dá nada, ninguém vai ver, é por uma boa causa etc... afinal eles tem motivos nobres.

Eles não lembram da corrupção na hora de comprar coisa pirata, de colar na prova, de usar o telefone/carro da empresa para fins pessoais, de ganhar troco a mais, de mentir. Quando era dos outros era corrupção, quando eram eles fazendo, sempre achavam um pretexto ou uma desculpa esfarrapada.  

Até antes, muitos deles achavam a violência policial algo normal e aceitável, desde que fosse contra quem eles não gostam. Desde que fosse contra "vagabundo". Desde que fosse contra ladrão de galinha, mas o ladrão rico ficava na paz assistindo tudo. Agora eles entenderam o que a periferia e as minorias estão tristemente cansadas de ver: abusos de poder constantes, provocações e violência gratuita.

O discurso de alguns deles mudou da noite para o dia. E não sei se isso é bom ou ruim. Parece ruim: mudou só por modismo, só por que agora é a minha causa, só por que agora é minha vez de brilhar, só por que agora eu posso sair gritando sem pensar. Muitos deles odiavam o Bananão até uns dias atrás, hoje dizem que um filho dele não fugirá à luta.

Já tinha gente acordada muito antes, mas eles sempre mandaram essas pessoas calarem a boca por que o discurso deles não era o que eles queriam ouvir, não condizia com a ideologia deles.

Já tinha gente acordada. Gente que acordou bem antes do sol nascer. Mas eles mandavam elas voltarem a dormir e não encherem o saco. Agora, que é do interesse da extrema direita um golpe militar (sim, eu vi gente desejando isso)e, inclusive, tem gente flertando com o nazismo - que sinceramente é o sonho de muitos deles, pois vai dar desculpa para eles eliminarem quem não presta. Não sei se realmente acordamos ou simplesmente estamos sonâmbulos e balbuciando durante o sono.

[1] Entitlement (não sei se tem tradução em português): quando a pessoa acha que tem um direito que ela na verdade não tem, e reclama quando dizem não para ela.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

O que vem depois?

Imagina na Copa virou lugar comum. Para denotar desde descaso até ironia. Vem com uma risadinha nervosa. E acho que todos já imaginam que vai vir o de sempre: obras feitas às pressas pela empreiteira do filho daquele político importante, com material de má qualidade.

A pergunta que deveria ser feita, mas que nunca vi nem mesmo ser suscitada: o que vem depois?. E, fazendo um pequeno exercício de imaginação, já conseguimos ver a resposta. E ela não tem nada de bonito.

Vem o custo - tanto financeiro quanto social - das grandes obras. Elefantes brancos, feitos de qualquer jeito, espalhados pelas cidades, que se tornaram inúteis depois de uma meia-dúzia de joguinhos. Ninguém ganhou nada, exceto as grandes empresas. Elas mesmas, as que financiam campanhas (inclusive as de um certo partido que se diz contra, mas na hora do vamos-ver...).

Em nome de um tal desenvolvimento (só se for do bolso de alguns), em nome desses eventos, em nomes de grandes elefantes brancos, justifica-se tudo. Justifica-se violência. Justifica-se e tapa-se os olhos para o discurso de ódio. Justifica-se tirar dinheiro de setores fundamentais e já negligenciados. A tal da 'governabilidade' (que eu realmente entendo como dançar conforme a música, nunca haverão mudanças etc...) ataca em cheio.

E o pior: constatar isso é ser pessimista. É complexo de vira-lata. É torcer para que tudo dê errado para tentar derrubar o governo. É ser reaça. Eu sou do PIG (PIG esse que ironicamente recebe uma boladona de dinheiro público). Não seria uma má ideia que tudo desse errado, o país ficasse com a imagem manchada lá fora, e uma reeleição quase garantida fosse evitada... mas não que os outros candidatos sejam muito melhores.

Saindo da política, vem a decadência. A infraestrutura vai provavelmente deixar de ser mantida com rigor e continuidade, afinal não dá mais dinheiro, não tem mais ninguém para ver. A segurança que protegia apenas os turistas endinheirados vai sumir. Se o país perder na Copa, perdemos, mas se o país ganhar, perdemos mais ainda: já temos várias reeleições garantidas. Teremos uma certa presidenta se reelegendo enquanto o povo ainda está eufórico por nada.

Ficaremos com as as leis anti-terrorismo: por terrorista leia-se: ousou exercer a liberdade de expressão garantida pela Constituição, estava em um protesto pacífico e foi recebido com agressão policial. O terrorismo oficializado de cada dia, na forma da negação de direitos humanos básicos e da negação de cidadania, não conta.

Qualquer manifestação será tratada como vandalismo; enquanto isso, o vandalismo de cada dia - em cada tribo indígena que é atacada em nome de grandes obras, em cada escola abandonada, em cada centavo do dinheiro público que vai para o lixo, em cada morador de rua que aparece morto, em cada desalojamento - é normal, é o preço do progresso que ninguém pediu.

As leis que proíbem qualquer tipo de manifestação em dia de jogo acabarão se tornando permanentes devido à sua conveniência (significa que o povo não pode encher nosso saco). Precisa parecer que está tudo bem, que o custo de vida não disparou por causa desses grandes eventos, não podem saber que todas todas as profissões aqui estão desvalorizadas e que a sexta maior economia é uma simples fachada.

Esperemos, de forma bem otimista, quase inocente, quase infantil, que isso não ocorra e que esses eventos sejam só mais uns eventos quaisquer. Na verdade, não: espero que Copa, Olimpíadas etc... sirvam para o país passar vergonha internacional. Que sejam marcados por protestos que desafiem as leis anti-liberdade de expressão. Que os outros países vejam que sim, somos só uma fachada gigante.