sexta-feira, 29 de abril de 2011

Anotações sobre o uso de tablets na sala de aula

Vejo muitas sugestões de empregar tablets na educação, com os autores afirmando que é necessário dinamizar o ensino, que o aluno de hoje já é muito mais conectado que há 10 anos atrás, etc.... E até certo ponto, concordo: é sim preciso repensar a forma em que o conteúdo é passado, como as avaliações são feitas, entre outros. Porém, há certos pontos que muitos autores ignoram:
  • Só haverá a verdadeira inclusão digital se o tablet e os conteúdos que nele rodarem forem livres. De forma contrária, simplesmente se aprofunda a dependência tecnológica, fomenta-se a pirataria (o aluno com um iPad vai precisar do iTunes, por exemplo - o qual obrigatoriamente precisa do Windows ou do Mac OS X), a dependência de formatos proprietários e o não-desenvolvimento de soluções, além da obsolescência programada chamada DRM - uma obsolescência a qual não pode ser contornada de forma lícita.

    O livro em papel pode ser um dinossauro, pode estar "obsoleto" (duvido muito), mas ele será legível para sempre se bem-conservado; podemos dizer o mesmo dos e-books? Daqui a 20 anos eu poderei reler um e-book que comprei hoje? Acredito que não, devido à maravilhosa mina de ouro que é o DRM.
  • Não adianta o modelo de aula eu tenho o mundo aos meus dedos se, na hora da avaliação, todos recaem àquela prova teórica, que exige decoreba de fórmulas e de fatos. Tampouco tablets são úteis em regiões onde o acesso a internet é limitado ou inexistente.
  • Imaginemos aquele aluno que mora em uma região afetada pela violência, e que sempre vai de ônibus para a aula. Há como garantir que ele não será assaltado simplesmente para levarem o tablet dele?
    Uma das soluções que pensei seria um sistema análogo àquele usado para rastrear caminhões, cujo acesso seria restrito à diretoria das escolas, às polícias e às secretarias de Educação, e que permitisse facilmente acompanhar onde está um tablet roubado.
    Porém, isso suscita questões relativas à privacidade e o mau uso dessas ferramentas, que permitiriam um diretor mal-intencionado saber onde um aluno está.
  • E aquele aluno bagunceiro, que vai para a aula apenas para arranjar confusão e chamar os outros de "viado"? Ele merece um tablet, que provavelmente será usado para assistir pornografia e dar um jeitinho de entrar no Orkut e no MSN durante a aula? Acredito que não.
  • Muitos professores não querem se renovar, posto que chegaram na sua zona de conforto; é bem possível que eles usem os tablets como porta-copos, ou não queiram mudar suas aulas. 
  • Por fim, considero que nossos problemas na educação são low-tech: é hipocrisia falar em tablets na sala de aula quando muitos alunos sequer têm salas adequadas para estudar, quando muitos professores são impotentes perante os alunos mal-educados, e quando não se pode garantir que o tablet não será roubado na próxima esquina para trocar por uma pedra de crack. 
Mais do que simplesmente ensinar os alunos a consumirem conteúdo, é preciso promover a verdadeira inclusão digital através da criação, com tecnologias livres e abertas, assim formando pessoas que saibam fazer mais do que Office e internet. Fazê-los pensar, refletir e expressar isso, em vez de simplesmente preparar pessoas para marcar bolinhas em uma folha óptica em um vestibular/concurso.



Gostaria de ver alunos aprendendo a se expressar, a desenvolver o raciocínio lógico, usando softwares livres para criar pequenos projetos: sites, programas etc... Claro que um aluno  não vai sair do ensino médio criando patches para o kernel ou fundando uma startup da Web 2.0, mas garanto que de dentro de uma aula dessas podem sim sair excelentes ideias - o que dificilmente aconteceria se os alunos se posicionassem de forma passiva, apenas recebendo conteúdo, e precisando de um Mac pra rodar o SDK do iPad.

É totalmente possível fazer isso com software proprietário, porém realmente é certo obrigar os alunos a piratearem um software para usar em casa, ou viver de esmolas disfarçadas de doação de licenças?
É certo obrigar eles a serem dependentes de uma empresa e dos seus caprichos?
É certo alienar os alunos e criar uma geração dependente de um único fabricante, assim aprofundando o oligopólio das grandes empresas? Acredito que não, e tampouco que isso tudo seja aceitável e adotado em nome da "modernização" do nosso ensino, quando nossos problemas são muito mais prosaicos e se resolvem sem nenhuma tecnologia mais avançada.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Viciados em formatos proprietários

Infelizmente, ainda vejo um uso inaceitável de formatos proprietários nas universidades públicas, e em outros órgãos, algumas vezes chegando ao ponto de professores exigirem o envio de trabalhos e documentos no famigerado e maldito '.doc', e arranjando complicações com os alunos que não o fazem. Ou mesmo, quando documentos importantes - tais como fichas de inscrição e formulários - são gerados nestes formatos fechados.

Vários usuários comuns, e a maioria dos usuários Windows, não irão se importar. Mas os usuários de sistemas operacionais que não o mais usado saem prejudicados, posto que não há como garantir a compatibilidade perfeita das ferramentas livres com esses formatos fechados - muitas vezes, as ferramentas livres implementaram a compatibilidade com eles através da engenharia reversa ou de especificações mal-feitas.       

E por quê pessoas geram arquivos neste formato? Vamos analisar os motivos:
  •  Primeiramente: a maioria dos usuários leigos não sabe o que é um formato de arquivo. Para eles, salvou e abriu, está bom. Logo, tem-se aí um problema fundamental no ensino de informática: não se ensina a trabalhar com um editor de texto, ensina-se a trabalhar com o Word. Não se ensina a usar um browser, ensina-se a usar o Internet Explorer. Proliferam por aí os cursos de Office, mas posso contar nos dedos os cursos de OpenOffice que eu já vi.
  •  Quais são os softwares mais usados? Adivinhem: aqueles que geram arquivos em formatos proprietários por padrão. Mesmo que eu não gere arquivos do Word, preciso ter o Word instalado se eu quiser visualizar um .doc ou .docx com a garantia de que ele montará corretamente. Infelizmente, isso é consequência do item anterior.
  • Não tenho como contar que meu recipiente instalará um OpenOffice só para visualizar meu arquivo no formato deste, ou gerar um arquivo neste formato. Entretanto, ele pode presumir, de forma razoável, que a maioria das pessoas tem o Word disponível - e de fato elas têm, quem não usa essa ferramenta é uma exceção.

A extrema dependência destes, de forma que a entrega de trabalhos, documentos etc... torna-se uma imposição, é inaceitável para uma universidade pública, ou em qualquer serviço público, posto que obriga os usuários a dependerem de uma única ferramenta comercial - isto implica que preciso comprar um Office apenas para enviar trabalhos obrigatórios para disciplinas.
E se eu não tenho condições de comprar? Ah, pega meu CD emprestado aí, assim alimentando um círculo vicioso: preciso piratear o software mais usado, que assim se torna ainda mais pirateado e, portanto, ainda mais utilizado. Com isso, a Microsoft e outras empresas aumentam seu mindshare.

Somam-se a isso todos os problemas inerentes ao uso de tais formatos: incompatibilidades entre versões, impossibilidade de uso de sistemas de controle de versão, e o "bloat" causado por estes arquivos. Enquanto eu posso gerenciar meus documentos LaTeX usando uma ferramenta como o Git ou o Mercurial, posto que eles são arquivos texto, e que eu posso compilar um documento LaTeX de 20 anos atrás sem maiores problemas, o mesmo não se pode dizer de arquivos do Word. De um ponto de vista da computação, formatos binários são mais eficientes para armazenar dados estruturados. Porém, não considero que tal eficiência justifique-se para armazenar meros documentos em texto.

E gostaria de ver se haveria tanto uso de formatos proprietários, fosse o combate à pirataria de software mais ferrenho e mais agressivo, algo feito sistematicamente e não apenas baseado em denúncias. Todo mundo tem Windows e Office em casa? Tem, mas garanto que esmagadora maioria desses são piratas - e muitos dos seus usuários não sabem, ou sabem mas continuam tapando os olhos à questão dos formatos fechados, fingindo que o problema é do cara chato que não usa Windows.

A universidade poderia fornecer licenças? Poderia. Considero isto uma péssima ideia, entretanto, visto que o uso de formatos fechados é um vício, prejudicial a todos, a ser quebrado - e as licenças acadêmicas são apenas válidas enquanto o estudante não completa seu curso, ou seja, a velha e extremamente eficaz estratégia de dar a droga (no sentido de substância viciante) de graça de forma a criar viciados.

Deve-se educar para o uso de softwares livres e formatos abertos sempre que possível, e preferencialmente tornar isto um requisito, em benefício de toda uma sociedade que reduz sua dependência tecnológica.

Porém, a adoção de formatos abertos não é interesse da indústria, principalmente daquela que desenvolve "softwares de consumo" usados no desktop: visto que tais formatos não suportam DRM, e que eles facilitam a interoperabilidade, eles impossibilitam o tão almejado vendor lock-in, a criação de uma dependência cada vez mais aprofundada.

É hora de cortar a dependência extrema com formatos proprietários da qual somos vítima diariamente, mas que é negligenciada por muitos. É preciso cobrar e acabar com a história do '.doc'. Mas infelizmente, tão cedo isso não irá ocorrer, posto que seria necessária uma mudança muito grande no ensino de informática e no processo de inclusão digital, e que a indústria do software certamente sairia prejudicada.

domingo, 3 de abril de 2011

O professor mais-ou-menos

Gostaria de poder dizer que sempre tive excelentes professores na faculdade, mas infelizmente a realidade é outra. Tais professores, infelizmente, parecem cada vez ser mais uma exceção, e a maioria deles são os professores mais-ou-menos (os professores ruins e muito ruins existem, mas são poucos - considero como 'mais ou menos' o que o pessoal chamaria de 'professor ruim').

Normalmente, o professor mais-ou-menos é aquele que se contenta com pouco. Se contenta com ir para a faculdade, dar sua aula e depois voltar para casa. Nunca está disponível para ajudar os alunos, não se envolve em nenhum projeto de extensão, de pesquisa ou de reciclagem. Pode ficar com o mesmo conhecimento para sempre, afinal é o que basta para ele dar a mesma aula durante anos.

Ele usa o mesmo material de aula há muito tempo, várias vezes com os mesmos livros que ele usou na graduação. E é irônico ver que, ao passo em que a cobrança para com os alunos em relação à atualização é ferrenha, o professor pode se dar o luxo de ficar estagnado e repetindo o mesmo conteúdo mecanicamente durante anos.

É aquele professor que encontra motivos para prejudicar seus alunos: desconta pontos por picuinhas em uma prova, tais como um passo não-crucial omitido em um cálculo, rejeita o uso de calculadoras pela paranoia dos alunos poderem usá-las para colar, diminui a nota da turma toda pelo erro de um aluno, etc... exceto na hora de ajudar as meninas que ele sonha em comer. Que transforma uma matéria interessante em algo absolutamente chato.

Já que eu falei em ajudar as meninas, posso citar uma historinha que aconteceu semestre passado comigo: durante uma prova, o professor se levanta e do mais absoluto nada começa a ajudar uma menina da sala. Se um menino fosse lá fazer a mesmíssima pergunta para ele, recebia um belo te vira, estamos em prova. Hipocrisia, hipocrisia ou tentativa de um professor forever alone de puxar o saco de alguém?

Ele não sabe como reagir perante os avanços nas ferramentas de ensino: slides? Apenas para serem lidos de forma monótona e mecânica. Trabalhos? Precisam obrigatoriamente serem entregues impressos - pergunto o que esse professor faz com os trabalhos de semestres passados. Internet? Não presta, tem muita besteira (e de fato tem, mas espera-se que todo aluno universitário, e que todo professor saiba separar a informação válida da ruim, verificar fatos e fontes etc...).

É aquele professor que surfa na onda da estabilidade, que chegou à sua zona de conforto e que dela só sairá quando se aposentar. Que confunde experiência com direito a estagnação, ou anos de carreira com experiência - já vi muitas pessoas há anos fazendo a mesma coisa e que não melhoram, continuam sendo mais-ou-menos nisso. Por sinal, o profissional experiente não é aquele que sobe de nível na cadeia empresarial, recebendo mais responsabilidades e afazeres por isso?

Ele cobra dos alunos o que ele não consegue oferecer: exatidão, organização, responsabilidade e compromisso. O que dizer de um professor que não planeja as aulas e vai fazendo tudo on the fly, decidindo aleatoriamente qual é o próximo assunto? De um professor que enche dois quadros com cálculos para chegar no fim e "ah, eu errei lá no começo"? Lamentável.

Confunde quantidade com qualidade, atola os alunos com exercícios que podem ser feitos de maneira mecânica, ao invés de dar uma pequena quantidade de exercícios de alta qualidade e que façam o aluno pensar. Dá provas de decoreba, de resolução de problemas teóricos [1].

E talvez eu seja pessimista, cínico etc... mas infelizmente noto que os bons professores são poucos, e cada vez mais raros. E normalmente esses bons professores são jovens, ao contrário do que alguns insistem em dizer no que toca a experiência (o professor mais experiente supostamente deveria ser melhor).

Enquanto isso, vamos com os professores mais-ou-menos, já que principalmente nas universidades federais os alunos têm pouco poder de decisão: não vão ser eles que vão conseguir demitir um professor, a menos que algo muito grave ocorra. Os professores mais-ou-menos estarão lá até que a morte ou a aposentadoria os separe das mesmas aulas chatas que eles dão há anos.

[1] É claro que há disciplinas onde tais problemas são necessários - Cálculo e Física, por exemplo. Mas nas disciplinas de aplicação, nas profissionalizantes, é válido obrigar o aluno a decorar informações puramente teóricas e despejá-las no papel, em vez de fazer com que ele pense e aplique o que ele sabe para resolver um problema - assim como no mundo real?