quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Think Indifferent

Há alguns dias comecei a ver, na mídia online, o hype formado sobre o iPad, o tablet da Apple lançado hoje (dia 27/01/2010). E o resultado já era de se esperar: me mantive na bolha da indiferença enquanto todo o mundo especulava sobre o próximo iNãoSeioQuê da empresa do Jobs.

Nessas horas, comecei a considerar os motivos que me levavam a ignorar e não ser afetado pelo campo de distorção da realidade criado por essa empresa, e cheguei aos seguintes:

1. Não tenho motivos para usar

Não sou exatamente a pessoa mais interessada em smartphones, nem tenho condições financeiras para comprar programas na App Store (nem músicas no iTunes, mesmo que o serviço estivesse disponível em nosso país). Não faço parte do público-alvo da Apple e provavelmente usaria o Mac OS X como eu uso qualquer outro UNIX-like: predominantemente na linha de comando e com aplicações livres.

Minha necessidade para qualquer forma de criação multimídia é muito baixo (programas como o GIMP, o Inkscape, o digiKam e o Audacity suprem todas minhas necessidades audiovisuais); nessas áreas sou apenas um consumidor de conteúdo (atendido, novamente, pelos programas disponíveis para Linux), o que me exclui do público-alvo de programas como os da Adobe (as principais 'killer app' para o OS X).

2. Distância financeira

Na minha situação atual (e que provavelmente se estenderá por um bom tempo) comprar produtos da Apple é inviável, tendo em vista as opções PC que encontro (e que muitas vezes permitem o reembolso da licença do Windows) por preços similares. Por exemplo, há uns dias atrás, me mostraram um modelo de MacBook (o básico) por R$ 2799, com 160GB de HD e 2GB de RAM. Ocorre que tal configuração não me atende: seria necessário, imediatamente, colocar no mínimo um HD de 250GB e 4GB de RAM, o que se traduz em cerca de R$ 400 a mais, negando o benefício.

Para o iPhone, idem: além de não ter condições para gastar tanto no dispositivo, sou usuário de celular pré-pago, assim não podendo usar o potencial todo do aparelho sem que isso incorra em um gasto inadmissível.

Também existiria a dificuldade em conseguir manutenção, ainda mais considerando que moro em uma cidade não muito grande e bastante atrasada tecnologicamente.
3. Incompatibilidade com Linux

iPhone, iPod e outros, até hoje, têm compatibilidade fraca com Linux. Eu espero poder tratar dispositivos desse tipo como mídia de armazenamento (mass storage), como recomenda a filosofia UNIX que eu tento seguir. Não gostaria de ter que usar um programa externo para passar músicas para o meu dispositivo, e nem de ter que manter uma instalação do Windows justamente para isso.

4. Falta de uma 'killer app'

Nenhum dos programas que eu uso é Mac OS X-only (aliás, muitos deles nem sequer têm versões para esse sistema), mas vários deles ou são nativos para Linux ou rodam no Wine ou sob virtualização. Assim, a migração para esse sistema seria desnecessária e até mesmo perigosa, um exercício de paciência.

5. Inflexibilidade da plataforma

A possibilidade de comprar uma máquina personalizada, com componentes escolhidos por mim, para a Apple é inexistente (a menos que se considerem os hackintoshes, de legalidade e funcionalidade questionáveis). Não permito que me obriguem a aceitar a meia-dúzia de opções que o fabricante me dá, e mais a meia-dúzia de possibilidades de upgrades. O único modelo da Apple que ainda me permitiria isso é o Mac Pro, que obviamente está fora do meu alcance.

Meu perfil de usuário não combina com máquinas all in one, nas quais o único jeito de adicionar um segundo HD é por via externa ou que não permitem a instalação de uma segunda placa de vídeo.

6. Alienação ao fabricante

Talvez esse item soe como xiitismo meu, mas com o uso de Linux e outros softwares livres aprendi a sempre questionar (e, quando possível, evitar) o uso de padrões, formatos e sistemas proprietários. Não me interessa em nada a ideia de precisar de hacks para usar o Mac OS X em máquinas não-Apple, ou de ter meu estilo de vida digital amarrado a um único desenvolvedor.

7. Incompatibilidade com meu perfil de usuário

Esse item pode ser visto como uma continuação do primeiro da lista. Aprendi - principalmente, com o uso do Arch Linux, a apreciar programas configuráveis em arquivos texto, scripts sofisticados em linha de comando, programas leves, entre outros.

Não acho que interfaces de configuração sejam ruins, desde que elas criem arquivos legíveis e façam seu trabalho de forma simples e direta. Coisas que, até onde vai meu conhecimento, não existem nos produtos da Apple: não é muito fácil configurar aplicações pela linha de comando, por exemplo.

8. Fanboys evangelizadores

Acredito que, ao lerem os 7 itens acima, vários fanboys irão vir aqui e tentar me convencer. E talvez seja essa a coisa que eu mais odeio em relação à Apple. Os incansáveis evangelistas, presos em seus campos de distorção da realidade, inventando necessidades que eu (e muitos outros usuários) não temos.

E, com incrível incapacidade de responder sobre detalhes técnicos, como sempre, se esquivando quando faço perguntas mais avançadas.

Acredito que esses sejam os principais motivos pelos quais eu não me interesso pelos produtos da Apple. E, enquanto toda a imprensa para e acompanha o mais novo lançamento da empresa do Jobs, fico com o meu think different, que faço há um bom tempo: não me deixar enrolar pelas propagandas, nem tentar me adaptar a um estilo de vida digital que em nada combina comigo.

Um comentário:

  1. Mandou bem no texto, mas tenho que discordar com você em um ponto: usabilidade. Eu, que me identifico muito com o seu perfil (escrito na barra lateral desse blog) imagino vários cenários de trabalho e de lazer utilizando do novo produto.
    Tenho certeza que trabalhamos de formas diferentes e temos - obviamente - interesses diferentes, mas acredito que tal equipamento, talvez com um novo sistema operacional, pode satisfazer muitas das suas e das minhas necessidades.

    Importante ressaltar que concordo amplamente com os demais pontos que você abordou. Principalmente o preço e a plataforma de dependência que a Appla cria.

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