quarta-feira, 20 de abril de 2011

Viciados em formatos proprietários

Infelizmente, ainda vejo um uso inaceitável de formatos proprietários nas universidades públicas, e em outros órgãos, algumas vezes chegando ao ponto de professores exigirem o envio de trabalhos e documentos no famigerado e maldito '.doc', e arranjando complicações com os alunos que não o fazem. Ou mesmo, quando documentos importantes - tais como fichas de inscrição e formulários - são gerados nestes formatos fechados.

Vários usuários comuns, e a maioria dos usuários Windows, não irão se importar. Mas os usuários de sistemas operacionais que não o mais usado saem prejudicados, posto que não há como garantir a compatibilidade perfeita das ferramentas livres com esses formatos fechados - muitas vezes, as ferramentas livres implementaram a compatibilidade com eles através da engenharia reversa ou de especificações mal-feitas.       

E por quê pessoas geram arquivos neste formato? Vamos analisar os motivos:
  •  Primeiramente: a maioria dos usuários leigos não sabe o que é um formato de arquivo. Para eles, salvou e abriu, está bom. Logo, tem-se aí um problema fundamental no ensino de informática: não se ensina a trabalhar com um editor de texto, ensina-se a trabalhar com o Word. Não se ensina a usar um browser, ensina-se a usar o Internet Explorer. Proliferam por aí os cursos de Office, mas posso contar nos dedos os cursos de OpenOffice que eu já vi.
  •  Quais são os softwares mais usados? Adivinhem: aqueles que geram arquivos em formatos proprietários por padrão. Mesmo que eu não gere arquivos do Word, preciso ter o Word instalado se eu quiser visualizar um .doc ou .docx com a garantia de que ele montará corretamente. Infelizmente, isso é consequência do item anterior.
  • Não tenho como contar que meu recipiente instalará um OpenOffice só para visualizar meu arquivo no formato deste, ou gerar um arquivo neste formato. Entretanto, ele pode presumir, de forma razoável, que a maioria das pessoas tem o Word disponível - e de fato elas têm, quem não usa essa ferramenta é uma exceção.

A extrema dependência destes, de forma que a entrega de trabalhos, documentos etc... torna-se uma imposição, é inaceitável para uma universidade pública, ou em qualquer serviço público, posto que obriga os usuários a dependerem de uma única ferramenta comercial - isto implica que preciso comprar um Office apenas para enviar trabalhos obrigatórios para disciplinas.
E se eu não tenho condições de comprar? Ah, pega meu CD emprestado aí, assim alimentando um círculo vicioso: preciso piratear o software mais usado, que assim se torna ainda mais pirateado e, portanto, ainda mais utilizado. Com isso, a Microsoft e outras empresas aumentam seu mindshare.

Somam-se a isso todos os problemas inerentes ao uso de tais formatos: incompatibilidades entre versões, impossibilidade de uso de sistemas de controle de versão, e o "bloat" causado por estes arquivos. Enquanto eu posso gerenciar meus documentos LaTeX usando uma ferramenta como o Git ou o Mercurial, posto que eles são arquivos texto, e que eu posso compilar um documento LaTeX de 20 anos atrás sem maiores problemas, o mesmo não se pode dizer de arquivos do Word. De um ponto de vista da computação, formatos binários são mais eficientes para armazenar dados estruturados. Porém, não considero que tal eficiência justifique-se para armazenar meros documentos em texto.

E gostaria de ver se haveria tanto uso de formatos proprietários, fosse o combate à pirataria de software mais ferrenho e mais agressivo, algo feito sistematicamente e não apenas baseado em denúncias. Todo mundo tem Windows e Office em casa? Tem, mas garanto que esmagadora maioria desses são piratas - e muitos dos seus usuários não sabem, ou sabem mas continuam tapando os olhos à questão dos formatos fechados, fingindo que o problema é do cara chato que não usa Windows.

A universidade poderia fornecer licenças? Poderia. Considero isto uma péssima ideia, entretanto, visto que o uso de formatos fechados é um vício, prejudicial a todos, a ser quebrado - e as licenças acadêmicas são apenas válidas enquanto o estudante não completa seu curso, ou seja, a velha e extremamente eficaz estratégia de dar a droga (no sentido de substância viciante) de graça de forma a criar viciados.

Deve-se educar para o uso de softwares livres e formatos abertos sempre que possível, e preferencialmente tornar isto um requisito, em benefício de toda uma sociedade que reduz sua dependência tecnológica.

Porém, a adoção de formatos abertos não é interesse da indústria, principalmente daquela que desenvolve "softwares de consumo" usados no desktop: visto que tais formatos não suportam DRM, e que eles facilitam a interoperabilidade, eles impossibilitam o tão almejado vendor lock-in, a criação de uma dependência cada vez mais aprofundada.

É hora de cortar a dependência extrema com formatos proprietários da qual somos vítima diariamente, mas que é negligenciada por muitos. É preciso cobrar e acabar com a história do '.doc'. Mas infelizmente, tão cedo isso não irá ocorrer, posto que seria necessária uma mudança muito grande no ensino de informática e no processo de inclusão digital, e que a indústria do software certamente sairia prejudicada.

5 comentários:

  1. Adorei seu post. Passo pelo mesmo problema na minha faculdade com os docs e os slides... Dia desses perguntei ao meu professor de programação se ele programava em Linux. Por que eu perguntei isso? Por quê? Primeiro que ele respondeu não, segundo que ele não corrige exercícios em que o programa foi desenvolvido no Linux, terceiro que ele conseguiu fazer com que os alunos da minha sala me vissem como "a menina que usa Linux" - como se fosse um sistema difícil, complicado, o diabo de mexer e aprender.
    Mas o que eu mais considero estranho é ver que na universidade os professores ao invés de abrirem a cabeça dos alunos, a fecham ainda mais. Tudo é Windows, tudo é .doc ou .ppt. Se eu falo de Linux, nego acha que eu sou radical, xiita. Oras, eu não sou. Eu só quero que as pessoas saiam da universidade com vontade de conhecer coisas novas. Não me é coerente ver que alguém entra tapado na universidade e sai de lá ainda mais tapado, dessa vez, porém, incentivado pelos professores.

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  2. Tem professores meus que só conhecem Windows e não vêem além disso. Só aceitam trabalhos em .doc/.ppt, mandam slides em .pptx, etc... e ainda falam besteira sobre um Linux que eles nunca usaram, ou usaram há 10 anos atrás e depois nunca mais voltaram.

    Eles ficam de mimimi "pirataria é crime", "respeite o direito autoral", "inovação tecnológica" etc... mas na prática OBRIGAM o aluno que não tem Windows/Office a piratear - e assim aprofundar o círculo vicioso da dependência tecnológica, obrigando o aluno a piratear. Eles cobram inovação dos alunos mas não inovam! Hipocrisia ou hipocrisia?

    A maioria das pessoas acaba achando que eu sou xiita, o que eu não sou, eu só não quero depender de produtos caros e de baixa qualidade. Mas tudo bem, a maioria das pessoas da minha sala de aula ainda acha que o Windows "é de graça".

    Como eu disse no post, eu queria ver se o combate à pirataria fosse mais ferrenho no Brasil, principalmente nas universidades - como é feito nas grandes universidades lá fora: afetaria PESADAMENTE a galerinha que usa tudo pirata.

    E eu lembro em 2007/2008 quando me inscrevi pra uns concursos/vestibulares, os sites de várias universidades não funcionavam corretamente no Firefox, ou seja, a universidade/órgão público estão implicando que eu preciso ter um Windows para participar do processo seletivo deles?

    É triste ver que muitos professores incentivam os alunos a serem tapados, mesmo. :|

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  3. Olá Renan. Vi que linkaste meu blog entre suas "leituras recomendadas" e eu estou fazendo o mesmo com o seu em meus "blogs que acompanho", não apenas por reciprocidade, mas por notar que seu blog tem conteúdo (embora eu pouco entenda de tecnologia e exatamente por isso).
    PS: Concordo contigo na questão do software proprietário e na pirataria.

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  4. Acabei de passar por esse problema aqui no serviço. E concordo com o post, meu pai usa o broffice sem nem desconfiar de que não é o word, para ele (e a maioria dos users normais) não faz diferença, o que é errado.

    Aliás, sem querer (na verdade eu joguei 2112 no Google, a referência do Rush) achei o blog e o post, olha como são as coisas.

    Excelente post e excelente blog, parabens.

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