sábado, 15 de outubro de 2011

De veículos elétricos

Vejo vários sites de tecnologia, de notícias etc... propondo o carro (e outros meios de transporte) elétricos como "o futuro". Porém, algumas considerações que acredito serem necessárias.

Primeiramente, temos os principais problemas do carro elétrico:

1. Não resolve o problema da mobilidade urbana

Congestionamento será congestionamento e ônibus superlotado será ônibus superlotado, mesmo com carros e ônibus elétricos. Acidentes de trânsito, motoristas que dirigem de forma ineficiente etc... continuarão existindo, e não será a tecnologia que irá resolver esses problemas.

Resolve-se (ou ao menos ameniza-se) o problema da poluição, mas não se resolve os problemas sociais e psicológicos que a confusão do trânsito traz, não se resolve a incomodação de pegar aquele ônibus superlotado andando devagar, quase parando. Somando-se a isso o fato de que as empresas de ônibus provavelmente irão querer compensar seus gastos com os novos ônibus... repassando isso para os usuários, sem melhorar o serviço. (tenho a impressão de já ter visto essa história antes, mesmo com veículos clássicos).

De nada adianta resolver apenas os problemas técnicos se ainda teremos que gastar energia passando mais tempo para encontrar lugar para estacionar do que fazendo o que precisamos, em um legítimo momento Classe Média Sofre.

Existe todo um problema da mobilidade urbana, que não será resolvido apenas pela tecnologia, mas esse é o assunto para um futuro post.

2. É realmente limpo?

Ele só será menos prejudicial ao meio ambiente na medida em que a energia elétrica que o alimenta for produzida de forma menos prejudicial ao meio ambiente.

Lembrando que falar em "energia limpa" é um excelente caso de greenwashing: visto que painéis solares são feitos de semicondutores (que demandam grandes quantidades de substâncias tóxicas para sua produção), turbinas eólicas são feitas com metais e outros materiais que exigem mineração etc.... considero que este termo deveria ser evitado. Tais fontes de energia são menos poluentes, mas definitivamente não são limpas - mas bem, isso não fica bom em uma campanha publicitária.

Zero emissão de carbono? Qualquer atividade humana gera carbono. Limpar isso com árvores? A única coisa que fica limpa é a consciência de quem planta: não adianta simplesmente sair atulhando tudo de árvores e não dar os cuidados necessários a elas.

Soma-se a isso o aspecto tóxico das baterias, que sofrem com vida útil limitada: a cada alguns anos é necessário trocá-las, o que incorre em custo financeiro e impacto ambiental. Nesse aspecto, o carro elétrico poderia inclusive ser mais tóxico que aquele movido a combustíveis fósseis.

3. Armazenamento de energia


A parte de motores e seu controle, a eletrônica de potência, e de sistemas embarcados está bastante avançada. Já é possível fazer motores de alta eficiência e controlá-los de forma precisa, porém o maior problema continua sendo as baterias.

Infelizmente, os combustíveis fósseis tem um alto poder energético em relação ao seu volume, o que os torna viáveis para veículos. Conforme a Wikipédia, a gasolina armazena 47 megajoules por kilograma (MJ/kg), enquanto mesmo as baterias de lítio-oxigênio (atualmente as mais avançadas) armazenam apenas 9 MJ/kg.

Como consequência, é preciso recarregar o carro após uma certa quilometragem, em uma situação ovo ou galinha: não há pontos de recarga porque poucas pessoas têm veículos elétricos, mas poucas pessoas têm veículos elétricos porque elas têm receio de ficarem sem carga no meio da estrada.

Recargas são lentíssimas se comparadas com encher o tanque em alguns minutos: que tal ter que esperar 3 horas a cada 300 km percorridos?

Claro que isso poderá mudar com o surgimento de novas tecnologias de baterias, mas isso ainda levará um bom tempo. E estaremos sempre limitados pelo peso delas.

4. Preço


Mesmo que todos os problemas anteriores fossem resolvidos, os carros elétricos continuariam sendo mais caros - mesmo com subsídios do governo. Inclusive, se mais pessoas consumissem tais veículos, o preço da gasolina poderia vir a baixar, assim incentivando aqueles que mantém seus carros comuns a continuar com eles - o tiro saiu pela culatra.

E não duvido que o poderoso lobby dos combustíveis fósseis não deixará tais auxílios acontecerem aqui: por que motivo o "país do pré-sal" iria incentivar pessoas a migrar para uma tecnologia que dá menos lucro às empresas de óleo?

Apesar de todas essas limitações e considerações, continuam existindo diversas vantagens nos carros elétricos. Algumas:

1. Possibilidade de desenvolvimento de tecnologia


Os veículos elétricos representam excelente oportunidade de desenvolvimento de novas tecnologias e de melhorias nas já existentes. Mecânica, eletrônica, eletrotécnica, geração e transmissão de energia etc... todos poderão se beneficiar.

Mas, para isso, é necessário que não nos contentemos simplesmente em comprar tecnologias prontas; e isso provavelmente será algo difícil de se ver, exceto para as grandes empresas que já têm o dinheiro (vindo dos veículos clássicos, do petróleo etc...) e o know-how para investir nessa tecnologia.

Soma-se a isso a necessidade de reciclar profissionais para se adaptarem à manutenção dos novos sistemas automotivos encontrados em tais veículos.

2. Economia para pequenos percursos


É bastante comum ver carros andando 8, 10km, dando pequenas voltas no uso cotidiano. Considerando que a gasolina custa em média R$ 2,70 o litro, e que um carro comum consome entre 10 a 12 km/L, pode-se fazer uma boa economia se a energia for gerada de forma barata. Sem falar que o problema da recarga deixa de ser relevante para esses pequenos percursos: posso carregar meu carro durante a noite e usá-lo durante o dia, por exemplo.

A energia inclusive pode ser gerada de forma local, através de paineis solares, turbinas eólicas, aproveitando-se pequenas fontes de energia, assim trazendo mais economia e potencialmente desenvolvimento e menores impactos ambientais. 

3. Conforto para os usuários

Motores elétricos podem ser bastante silenciosos, sem o ruído característico de um motor a combustão: um alívio para nossas ruas barulhentas. Isso poderia representar uma ameaça aos pedestres, o que levou vários fabricantes a desenvolverem sistemas de alerta auditivos.

Porém, nada (ainda) pode ser feito em relação aquela pessoa que gosta do ronco do motor do seu carro "tunado". Felizmente, essa é uma minoria: muitas pessoas agradecerão não precisarem mais ficar ouvindo aquela sinfonia rotativa na hora do rush.

 Concluindo, um transporte que dependa menos de combustíveis fósseis é uma coisa plenamente desejável, é claro, mas se for vítima do hype existente sobre toda nova tecnologia, ele traz o risco de não colaborar para resolver, ou até mesmo, agravar os problemas ambientais e sociais. Porém, corretamente planejado e executado de forma responsável, ele pode se demonstrar proveitoso para todos.

(foto: Chevy Volt Electric Vehicle, de Tom Raftery).

2 comentários:

  1. É por isso que aposto nos veículos híbridos, onde usa-se um motor "estacionário" (na verdade com rotação fixa) a gasolina, diesel ou etanol para geração de energia elétrica para os motores das rodas. Elimina-se a caixa de câmbio e o diferencial, há menor índice de poluição (pois o motor sempre estará girando em uma rotação fixa, com o melhor rendimento possível) e não há o inconveniente dos longos tempos de recarga. Claro que ainda será necessário ter-se uma bateria (ou duas) para acumular carga que será usada na partida do motor a combustível, acessórios etc.
    Ainda é possível usar um sistema de inversores nos motores elétricos para fazer com que eles gerem energia elétrica ao frear o veículo (até os trens elétricos usam isso há décadas).

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